No entanto, aumenta, cada dia, o espectro assustador da
exclusão social. O poder de compra interno entrou em colapso; a
fome eclodiu; hospitais e escolas fecharam as portas e milhões de
crianças viram negado seu direito à educação primária e ao
mínimo existencial.
Ainda se ouve o choro dos meninos perdidos do Sudão, cativos
a US$ lOO (cem dólares) por cabeça, como noticiava, na época, a
mídia internacional.
Em plena aridez do deserto africano, mulheres e crianças
negras da tribo dinka esperavam acorrentadas e famintas para
serem vendidas e o mercador negociava com o homem branco
cada ser humano como se eles fossem uma propriedade ou merca-
doria rentável, na triste realidade do Sudão, em pleno século XXI.
Lembra-nos essa cena dantesca, a visão de horror do poeta dos
escravos Castro Alves que, na descrição da tragédia de seu “Navio
Negreiro”, sob o olhar atento da águia do oceano, assim contou:
Era um sonho dantesco... O tombadilho que das luzernas aver-
melha o brilho, em sangue a se banhar. Tinir de ferros... esta-
lar do açoite... Legiões de homens negros como a noite, horren-
dos a dançar. Negras mulheres, suspendendo as tetas, magras
crianças, cujas bocas pretas regam o sangue das mães. Outras,
moças... mas novas, espantadas, no turbilhão de espectros
arrastadas, em ânsia e mágoa vãs.
Presa nos elos de uma só cadeia, a multidão faminta camba-
leia, e chora e dança ali! Um de raiva delira, outro enlouquece...
Outro, que de martírios embrutece, cantando, geme e ri! Quem
são estes desgraçados, que não encontram em vós, mais que o
rir calmo da turba que excita a fúria do algoz? Quem são...?
Se a estrela se cala, se a vaga à presa resvala, como um
cúmplice fugaz, perante a noite confusa... Dize-o tu, severa
musa, Musa libérrima, audaz!
São os filhos do deserto onde a terra esposa a luz. Onde voa em
campo aberto a tribo dos homens nus... São os guerreiros
ousados, que com os tigres mosqueados combatem na solidão...
Homens simples, fortes, bravos... Hoje, míseros escravos sem
ar, sem luz, sem razão...
E os "navios negreiros" ainda aportam nos mares africanos, em
pleno século XXI, e repetem o espetáculo dantesco, que o poeta
descreve, à luz do tombadilho do século XIX, enquanto o povo
Cidadania dos juízes e desenvolvimento sustentável
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