Date a Home Magazine | Jul / Ago / Set 2014 | Page 33

À Mesa Com | Personalidades | REPORTAGEM

escreve pode ser uma visão do seu mundo ou um inconformismo latente. “Como encenador tenho oportunidade de defender os meus pontos de vista, a nivel artístico ou político, por exemplo. Aquele é o meu espaço de comunicação. Sinto que existe uma grande componente social no meu trabalho, nos meus textos e até nas minhas personagens. Já inter-pretei um orfão da Casa do Gaiato, um informático desempregado e absorvido pela crise e, recente-mente, um homossexual que tenta adotar uma crian-ça em casal.”

A criatividade e empreendorismo ganhou-as do avô, uma das suas principais referências, um “self made man” que conquistou sozinho tudo aquilo que teve em vida. Mas a curiosidade aguçada vem de uma constatação banal e transversal. “O estado de feli-cidade pode acabar a qualquer momento e isto serve-me de alavanca, de alerta. Esta consciência permite-me chegar a outras zonas que não apenas as minhas.”

Talvez por isso tenha aceite ser padrinho de uma das marchas de Lisboa. Em junho desceu a Avenida da Liberdade a dançar pela Marcha de Carnide. Foi a primeira vez que se viu naquele papel de lisboeta bairrista mas Rui Neto não se sente assim. “Cresci num prédio com sete andares, com outros maiores ainda à volta e apenas um café por perto. Os meus pais trabalhavam das nove as cinco e eu ficava no colégio até às seis da tarde e aí ia para casa. Não vivi na rua, no bairro como tantos lisboetas que encon-trei nas Marchas.”

Rui sente-se um nacionalista. Nunca pensou em trabalhar fora e gosta de viajar cá dentro. “O meu bairro é Portugal, disse João em jeito de brincadeira e Rui não poderia estar mais de acordo.

O bairro é Portugal, a casa é Lisboa e a cultura é o combustível que o faz andar para a frente. Mais uma vez João pergunta e Rui responde. Apesar de tudo, será que a cultura acompanha o crescimento da cidade? “Não!”, diz rapidamente. “Penso que po-deria ser melhor, há tanta coisa a nível artístico que sinto falta. A cidade cresce a um ritmo alucinante nou

noutras áreas e nesta não. Porque é que só posso ver um musical em Londres ou Nova Iorque? Porque não posso vê-lo em Lisboa sem ter de optar por La Feria?“

No final fica a certeza de que Rui Neto vive e absorve a cultura de uma forma única. É um eterno apaixo-nado por França, pelo cinema francês, a língua fran-cesa. Talvez esse acaso o tenha levada escolher o filme “Ligações Perigosas” com Glenn Close e John Malcovich como seu favorito. Para o Rui em causa estão os atores mas na verdade o filme baseia-se num texto francês escrito na altura da Revolucão Francesa.

Também inspirado pela arquitetura francesa, Rui sempre adorou casas de traça antiga, tetos altos, trabalhados e assoalhadas de perder de vista. A última pergunta só poderia estar relacionada com o espaço casa e com a forma como o ator o vive. “Aca-bei por investir numa vivenda que estou a recon-struir e descobri que é algo que me dá imenso prazer e, modéstia à parte, até tenho algum jeito. Descobri esta vivenda no Areeiro e estou completamente entregue à casa. Já recuperei algumas partes mas é um projeto a longo prazo.”

Quem sabe este não é o mais recente papel do ator que já vestiu tantas peles quanto palavras tem este artigo. Mas Yvette e João arriscam. Rui Neto continu-ará a dar cartas na representação mas a personagem de estudante é talvez aquela que o vai eternizar.

“Acabei por investir numa vivenda que estou a reconstruir...

...estou completamente entregue à casa."

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