Contemporânea Contemporânea #8 | Page 28

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que milhares de fãs que se criaram naquele ano, queríamos mais. Guga gemia quando jogava e eu gemia e sofria, solidária, frente à televisão. Parecia impossível. Mas, não era. O próprio Guga diria, anos depois da conquista, que nas quartas-de-final não via soluções técnicas e táticas que pudesse acionar para vencer “um cara” como Kafelnikov; ele próprio não se convencia de que era possível. Mas, venceu. Aliás, venceu o russo nas três quartas-de-finais em que seria campeão do torneio.

Ao contrário do que se poderia prever, e só posso pensar nisso agora, revendo imagens da vitória, Guga entrou tranquilo, sem carregar nos ombros a carga do favoritismo, mas, por outro lado, com uma responsabilidade enorme, nada menos que enfrentar o espanhol Sergi Bruguera, duas vezes campeão de Roland Garros. Mas não deu para el tío. Para minha alegria, o manezinho, depois de apenas uma hora e cinquenta minutos de partida, atropelou o espanhol em três sets e levou o público francês, que gritava “Allez, Gugá”, ao êxtase. Levantou a taça, usando o boné virado na cabeça, como um legítimo moleque, tornando-se um deus do saibro.

O que se viu então no Brasil, sempre afeito aos modismos, foi a entronização de Guga como herói e do tênis como esporte nacional, especialmente no sul do Brasil, Santa Catarina à frente. Nunca a loja de meu pai vendeu tantas raquetes e bolinhas. Eu e minha irmã até ganhamos uma, que em seguida perdemos em um bueiro da rua onde morávamos. Projetos para tênis nas aulas de Educação Física na escola, projetos assistenciais com a modalidade (que em Florianópolis, apoiados por Guga, ainda acontecem), entrevistas com professores que, como pioneiros, trabalhavam com esse esporte. Algo que sempre acontece quando um de nós, brasileiros, da periferia, resolve afrontar o esporte

CULTURA DO ESPORTE

de rendimento e ganhar o primeiro lugar. Algo como o que Thiago Braz fez no salto com vara nos últimos Jogos Olímpicos. Guga venceria ainda mais duas vezes o Aberto da França, fazendo crescer todo o alarido em torno de sua figura. Fãs como eu também acompanharam a dor com o problema no quadril que o impediu, depois de certo momento, de jogar em alto nível, levando-o à precoce aposentadoria. Mas, a idolatria não terminaria com o fim de seus títulos e sua retirada das quadras.

O tênis não vingou nas escolas brasileiras. Material caro, espaço inexistente para se jogar e professores que não conheciam o esporte. Voltamos para o futebol. Mas, Guga permanece reinando absoluto por aqui. É claro que é preciso reconhecer que ele contribuiu para a ideia já discutida, de que somos cordiais, alegres e boas-praças, assim como apresentado por Sérgio Buarque de Holanda. O garoto era todo alegria e simpatia e essa imagem permaneceu e vendeu como se todo brasileiro, esquecendo-se das mazelas que nos acompanham, o fosse. Guga mesmo se refere a isso, dizendo que “nosso jeito” havia ganhado o mundo. Na partida final de Roland Garros deste 2017, mais um domingo ensolarado como aquele, com a vitória indiscutível e arrasadora de Rafael Nadal, essas memórias vieram com força.

Ainda esses dias encontrei Guga jantando com a família em um restaurante da cidade. Na verdade, tentando jantar, já que a cada 30 segundos algum fã afoito pedia que ele posasse para uma foto. O ídolo prontamente atendia com o largo sorriso