Contemporânea Contemporânea #8 | Page 23

ARTE E CRÍTICA

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O filme escolhido para dar o arranque à Berlinale 2017 foi a produção francesa Django, dirigida por Etienne Comar, um longa de conteúdo político que retrata a controversa relação do músico de jazz Django Reinhardt com o governo nazista. É, mais ainda, uma análise de como os artistas respondem aos sistemas autoritários. “Nosso programa já é um protesto suficiente”, limitou-se a dizer Kosskick na coletiva de imprensa. E a abertura mostrou, de fato, a dimensão desse protesto.

Aliás, vários outros filmes do programa tocam no sensível campo da política e suas artimanhas, além de trazerem à luz debates sobre direitos humanos, as consequências da globalização, revoltas sociais, crise dos refugiados e narcotráfico. A maioria deles não se privou de fazer declarações claras, duras e precisas contra a exclusão e o ódio.

Também dentro do programa, o público teve a chance de ver em ação o mestre finlandês Aki Kaurismäki e o cineasta belga Philippe Van Leeuw. Ambos ofereceram lentes diversas e igualmente convincentes para a crise dos refugiados sírios, enquanto Agnieszka Holland, com Spoor, e Ildikó Enyedi, com On Body And Soul, entregavam retratos cômicos, lindos e bizarros de mulheres modernas.

Por certo, esta última diretora levou para casa o Urso de Ouro 2017 com o longa húngaro On Body And Soul. O Júri, que teve este ano o cineasta holandês Paul Verhoeven em sua cabeceira, reconheceu o mérito da inusual narrativa de Enyedi, que nos apresenta uma história de amor que floresce e se desenvolve tendo como cenário um abatedouro de animais.

As obras de temática homoafetiva e as trans-temáticas também tiveram uma forte representatividade, provenientes do Japão, África do Sul e Chile. Talvez a mensagem mais inteligente tenha chegado na forma de Call Me By Your Name, de Luca Guadagnino, sobre o romance veranil de dois jovens nos anos 1980 e suas afinidades comuns pela arte, pela música e pela comida. Abordando o tema com uma delicada sofisticação e subjetividade, o recado do diretor é que, para além das questões da homoafetividade, há muitas outras formas de sensibilidades a serem exploradas.

Algumas produções foram recebidas com especial atenção e entusiasmo particular por jornalistas estrangeiros, como Una Mujer Fantástica, do chileno Sebastián Lelio, que reproduz na telona as humilhações e os preconceitos sofridos por uma garçonete transexual e aspirante à cantora lírica que tenta participar do funeral do companheiro morto. Não se pode deixar de destacar a magistral interpretação de Daniela Vega, atriz transgênero na vida real.

Há ainda The Other Side of Hope, do finlandês Aki Kaurismaki, comédia dramática de tons surrealistas que coloca um refugiado sírio e um comerciante de Helsinki em sintonia na construção de uma sociedade mais justa.

Olhos mais atentos também podem identificar o contexto político nas entrelinhas do drama de fundo moral The Dinner, do estadunidense Oren Moverman, assim como sob o viés da ironia ácida de The Party, da britânica Sally Potter.

Sexo, gênero e ironias