Contemporânea Contemporânea #8 | Page 22

Um bom festival de cinema é como bom vinho. Tem que se apreciar com tempo e muito cuidado.

Depois de alguns meses, creio que já é possível analisar os resultados e tendências do maior festival de cinema do mundo, o festival de Berlim, conhecido como Berlinale.

As narrativas de refugiados, os marcos de autor e o cinema estranho dominaram a 67ª edição da Berlinale, que exibiu ao público 365 filmes em dez dias de festival, de 9 a 19 de fevereiro deste ano. A cada edição, o Festival Internacional de Berlim reafirma seu papel político e social, com seu programa tornando-se rapidamente o mais vasto e atual do cinema mundial contemporâneo. Consagrada como o maior e talvez o melhor festival de cinema do mundo, a Berlinale é uma instituição complexa (como todos os eventos do gênero) que exige certo tempo e preparação para produzir uma análise com um olhar mais crítico e que fuja da imediatez tão presente nos dias – e no jornalismo – atuais.

O festival nasceu em 1950 como tentativa de impulsionar a reconstrução de uma Alemanha devastada (e ainda dividida) pela guerra. Por isso, sua identidade alternativa, proclamada por muitos como, inclusive, revolucionária, sempre foi um adjetivo de peso e motivo de orgulho para a organização. Ao longo dos anos, foi se afirmando na cena mundial até alcançar o tamanho e a importância devidos, assim como sua inclusão no mais seleto e prestigioso circuito do mundo cinematográfico. Porém, parece que a edição de 2017 da Berlinale causou algumas divergências entre o público especializado.

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Para alguns, o festival perdeu sua origem “underground”, tornando-se demasiadamente voltado para o mercado. Outros, mais duros, chegaram a considerá-lo “decante” no cenário mundial. Aos críticos, no entanto, o diretor do Festival de Berlim, Dieter Kosslick, tem uma resposta pronta: chequem os números.

E o fato é que os números traduzem o sucesso do maior festival de cinema do globo. Em dez dias de intensa programação e com um orçamento anual de 24 milhões de euros, a Berlinale exibiu mais de mil projeções, vendeu mais de 330 mil ingressos e contou com quase meio milhão de espectadores circulando por suas treze mostras. 3.716 jornalistas de 79 países acompanharam não apenas a competição principal, mas também outras doze categorias paralelas que aconteciam simultaneamente, entre elas a aclamada mostra Panorama, principal barra depois da competição.

Contrariando muitos críticos, a Berlinale comprovou que não perdeu seu olhar comprometido e seu caráter político-revolucionário. Pelo contrário, na coletiva de imprensa a poucos dias da abertura de sua 67ª edição, Kosslick declarou que o então recém-eleito presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, seria deliberadamente omitido durante toda a programação. Uma decisão política, sem dúvida, ainda que a opção escolhida seja o protesto silencioso. Decisão esta que, muitas vezes, produz mais efeito do que as críticas raivosas lançadas ao vazio.

Por Antonio Brasil, com colaboração de Nayara Batschke

5 de julho de 2017

Traduzido por Alexandre Fernandez Vaz

A BERLINALE REAFIRMA SEU PAPEL NA POLÍTICA INTERNACIONAL E NA HISTÓRIA DO CINEMA

Tendências e polêmicas