Contemporânea Contemporânea #8 | Page 17

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“Quem quiser se aproximar de Hitler deve fazer um desvio, passando por Morell, o gordo médico com capa de gabardina marrom-clara, que, sobretudo a partir do outono de 1941 – o momento em que a quebra do rendimento de Hitler se tornava evidente e todos os livros sobre ele apontam um vácuo, pois não conseguem explicar essa quebra – já deixara de ser, fazia tempo, aquela figura secundária curiosa, como a história o tratou até agora” (p. 162).

O livro é de divulgação científica, porém se preocupa em trazer centenas de detalhadas notas finais. Muitas delas são valiosíssimas informações novas ou questões ainda não pesquisadas. Ohler tem o cuidado, inclusive, de deixar indicado onde tais fontes foram consultadas (como nos arquivos de algumas cidades alemãs como Berlim, Koblenz ou Munique, e nos Estados Unidos, em Washington). Além disso, traz uma lista de referências bibliográficas que mostra como, além das fontes inéditas, lidou com todo um conhecimento produzido sobre Hitler (via seus biógrafos) e acerca da II Guerra Mundial. Como a obra não se pretende um livro convencional de História, alguns acontecimentos importantes, como a Batalha de Dunquerque ou a Operação Walquíria (ambos retratados, respectivamente, nos filmes “Dunkirk” e “Valkyrie”) não são aprofundados.

Segundo o autor, uma situação é contextualizadora do que se seguirá nos tenebrosos anos nazistas: mesmo tendo perdido a Primeira Grande Guerra, a Alemanha adentra a década de 1920 como um dos maiores produtores de morfina e cocaína

(firmas como Merck, Boehringer e Knoll dominavam 80% do mercado dessas substâncias). Nos anos 1930, os nazistas instrumentalizaram sua luta contra as drogas em todos os cantos do Reich e uma política antidrogas emergiu: “servia, dessa forma, como meio de exclusão e repressão, bem como para a eliminação de grupos marginais e de minorias” (p. 38). A tal “política antidrogas”, para Ohler, se converteu paulatinamente em “política antissemita”: judeus e drogas fundiram-se numa unidade tóxica, que ameaçaria a Alemanha e precisava ser eliminada!

Paralelamente a isso, a indústria Temmler, tendo constatado o sucesso de uma anfetamina nos Jogos Olímpicos de 1936 em Berlim (a benzedrina), coloca todos os seus recursos e seu químico-chefe, Dr. Fritz Hauschild, empenhados na tarefa de síntese de algo similar, pois a empresa havia se convencido de que uma substância como essa estava afinada às rápidas mudanças pelos quais o mundo passava. Pouco tempo depois, a Temmler patentearia no Registro Geral de Patentes do Reich, a versão alemã, o Pervitin, mais forte e mais potente do que a benzedrina legalmente usada em várias partes do mundo, além dos Estados Unidos.

A vinculação da droga com o exército alemão ocorreu via Dr. Otto Friedrich Ranke, diretor do Instituto para Fisiologia Geral e Militar, e o resto da história da dependência crescente desse medicamento por parte dos soldados e de todo os escalões do Exército, Marinha e Aeronáutica já se pode imaginar. O autor nos conta tudo isso e brinca: “o chamado ‘despertin’ caiu como uma bomba, espalhou-se como um vírus, vendeu como pão quente e logo tornou-se tão natural

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