Contemporânea Contemporânea #8 | Page 16

Quando, há dez anos, li pela primeira vez Testo Yonqui (2008), do autor Paul-Beatriz Preciado, surpreendeu-me sua abordagem sobre como o sexo e a sexualidade passaram a ser alvos desenvolvidos (e patrocinados) pelos governos Ocidentais (notadamente o estadunidense) de fins da I Guerra Mundial ao período da Guerra Fria. Interessante notar a produção massiva de hormônios sintéticos nessa época, bem como as operações de reconstituição de prepúcios pós-II Guerra e mesmo o domínio do know how acerca das cirurgias de transgenitalização (para pessoas transexuais). Para o referido autor, a humanidade se encontrava perante um novo capitalismo, que passava a combinar novos dispositivos microprostéticos com novas formas biomoleculares de controle da subjetividade. Portanto, esse “novo regime” configurava-se como uma “nova era”, que se anunciara na sociedade científica e colonial do século XIX, e se configuraria como pós-industrial, global e midiática, oscilando entre os polos farmacológico e pornográfico da subjetividade. A “era farmacopornográfica”, como ele a designou, se revelaria no pós-II Guerra e adquiriria seu atual perfil no desmantelamento da economia fordista dos anos 1970. Eis que o livro High Hitler, de Norman Ohler, que comentarei a seguir, é interessante para pensarmos sobre um desses polos dessa “nova era”, qual seja, o da farmacologia.

Em fins de 1897, um químico chamado Felix Hoffmann, da empresa Bayer, preparou o ácido acetilsalicílico a partir da casca do salgueiro, que chegou ao mercado com o nome de Aspirina. A partir daí, a farmacologia e a produção de drogas viveram uma expansão irrefreável e várias

POLÍTICA E SOCIEDADE

16

indústrias farmacêuticas se desenvolveram na porção oeste da Alemanha, ao longo do Rio Reno. Ohler afirma que isso fez com que em pouco tempo o made in Germany fosse um selo de qualidade não apenas da indústria química, como também no que se referia às drogas. Esse contexto foi o pontapé inicial do livro e que explicaria, anos mais tarde, o emprego indiscriminado de substâncias psicotrópicas na economia bélica (particularmente na II Guerra Mundial). Dessa maneira, a Alemanha adentrara o século XX como o “país das drogas”.

Ohler é um jornalista alemão, que executou um trabalho árduo, extenso e meticuloso de pesquisa de variadas fontes durante mais de cinco anos, tanto em seu país natal, quanto nos Estados Unidos, para produzir a obra em questão. Diria que, de um ponto de vista mais geral, High Hitler é uma interpretação farmacológica dos acontecimentos históricos da II Guerra Mundial (observado do lado alemão, importante frisar). E, de um ponto de vista mais específico, o autor foca a relação de Adolf Hitler com seu médico particular, Dr. Theodor Morell.

Por causa desse último aspecto é que, em dado momento, o autor tece críticas às biografias do líder nazista, dizendo que é possível que haja um “ponto cego” na literatura sobre ele, justamente porque faltam dados sobre o alto consumo de substâncias farmacológicas durante sua vida. E, portanto, a questão-chave para Ohler desde o início da investigação é associar história e fármacos, Hitler e o médico, atos racionais e disparatados dos alemães durante a Guerra. Nesse sentido, sublinhou:

HITLER E AS DROGAS: FARMACOLOGIA EM PERSPECTIVA HISTÓRICA

Wagner Xavier de Camargo