Contemporânea Contemporânea #7 | Page 8

Se todas as obras de arte são dotadas de uma linguagem específica, a poesia tem como fundamento a oralidade.

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poemas teve início em sua juventude (1923-1926), contou com uma longa pausa na década de 1930, sendo retomadas na década seguinte depois da imigração aos Estados Unidos, seguida de sua primeira visita à Alemanha que contou com uma intensa troca epistolar com Martin Heidegger recheada de poesias. Amante das metáforas, ao tratar da obra de arte e da poesia em A Condição Humana, Arendt faz uso de um dos poemas de Rainer Maria Rilke, Magie, publicado postumamente e enviado de presente à ela por Heidegger, ainda no início da década de 1950, para expressar a “transfiguração” e não a simples transformação que acomete os demais objetos. Conforme Arendt: “(...) é uma transfiguração, uma verdadeira metamorfose, como se o curso da natureza, que requer que tudo queime até virar cinzas, fosse invertido de modo que até o pó pudesse se irromper em chamas”6 .

Se todas as obras de arte são dotadas de uma linguagem específica, a poesia tem como fundamento a oralidade. Como é conhecido de todos, os poetas aedos e rapsodos compunham parte essencial da Paideia grega na medida em que, inspirados pelas musas e quase em estado de transe, recitavam as poesias e formavam os homens. Não é à toa que as musas eram filhas da deusa Mnemosyne e relatavam os feitos de deuses e homens pela poesia, imortalizando-os mesmo depois que o poeta, como Homero, por exemplo, e os autores destes feitos, como Aquiles e Heitor, partissem do mundo. Não há dúvida que a fala se configura como uma espécie de lugar privilegiado para Arendt e isso se torna evidente por meio de suas referências à ideia aristotélica

de zoon logon, o animal falante e o fato de a esfera pública se realizar sempre no âmbito da ação e do discurso. Para além disso, não é de menor importância o fato de Arendt ter apontado para a língua materna, quando questionada por Günter Gaus em entrevista na década de 1960, sobre o elemento que “permanece” com ela mesmo depois de ter deixado a Alemanha. Certamente não se trata aqui de que a língua alemã tenha uma importância especial para um alemão – mas antes, daquilo que medeia a existência de Arendt com mundo, já que ela participa deste por meio da fala, como atestam suas palavras em seu discurso sobre Lessing: “Tudo o que não possa se converter em objeto de discurso – o realmente sublime, o realmente horrível ou o misterioso – pode encontrar uma voz humana com a qual ressoe o mundo, mas não é exatamente humano. Humanizamos o que ocorre no mundo e em nós mesmos apenas ao falar disso, e no curso da fala aprendemos a ser humanos” (2003, p.31)7 .

Salutar é perceber que entre todas as fontes artísticas, a poesia é, para Arendt, aquela que está mais diretamente ligada à linguagem e não somente a escrita, mas pronunciada, falada, cantada e recitada, já que um poema só encontra plenitude na medida em que é recitado ou cantado, mas não somente escrito.

É desta maneira – e não necessariamente escrito – que ele toma sua plena forma, chega ao mundo e alcança o coração e a memória de homens e mulheres. Aquele que trabalha na poesia, exerce um papel de responsabilidade

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