Contemporânea Contemporânea #7 | Page 11

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ZYGMUNT BAUMAN

CULTURA E SOCIEDADE

sucesso de vendas. Aliás, em seu blog, ao mesmo tempo em que lamentou sua morte, anunciou a pré-venda de sua última obra traduzida, Estranhos à nossa porta, já disponível em versão tupiniquim.

Outra crítica é que essa literatura era superficial e pouco original, apreciação que, embora questionável, ganhou fôlego após Bauman ter sido acusado de plágio e autoplágio em muitas de suas obras. Devo confessar que, em minhas leituras, identifiquei passagens idênticas entre alguns livros. Nas ocasiões em que isso aconteceu, pensara que fosse descuido do editor.

Apesar dessas polêmicas, e se me permitem encerrar com uma avaliação mais biográfica, foi uma experiência inflexora o contato com Bauman em minha trajetória acadêmica e pessoal. Para brincar com um dos conceitos que popularizou em suas análises (o de ambivalência), estive com ele mas, ao mesmo tempo, contra ele, nesses quase quinze anos em que o acompanho, alimentando e alimentado por essa relação de amor e ódio. A despeito dos limites que podemos identificar no seu percurso intelectual (aliás, quem não os têm?), sua leitura abriu meu mundo, instigando-me a saber cada vez mais de nossa condição humana. Possibilitou, ainda, tomar contato com autores e tradições que até então desconhecia. Esse, inclusive, era um dos seus atributos que mais me impressionava, pois ele transitava da Sociologia à Filosofia com muita desenvoltura, sem deixar de dialogar, nesse caminho, com Sigmund Freud, Franz Kafka ou Milan Kundera. Tudo isso com muita perspicácia, linguagem sedutora e de fácil alcance graças à capacidade de discorrer sobre temas difíceis de uma maneira esclarecedora. Outra virtude era a sua capacidade de olhar para o mundo e interpretá-lo, identificando suas tendências,

vaticinando seus percursos e denunciando seus desvarios. Isso, claro, baseado não só no seu próprio percurso acadêmico, mas na experiência de um homem que viveu muito e de muitas maneiras, como oficial do exército polonês, militante do partido comunista de seu país natal, judeu numa Europa avessa aos semitas, um outsider na Inglaterra que o acolheu. Bauman foi, portanto, um “pária”, um “estranho”, condição que o permitiu escrever o que escreveu e ser aquilo que foi. Se não é mais o tempo de desejar-lhe uma vida longa, ainda é momento para homenagens póstumas, na expectativa de que sua sociologia continue a nos inspirar por muitos e muitos anos.

Felipe Quintão de Almeida é Professor da Universidade Federal do Espírito-Santo. É co-autor, com Valter Bracht e Ivan Marcelo Gomes, de:

Bauman e Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2016 (segunda edição).

Emancipação e diferença na educação: uma leitura com Bauman. São Paulo: Autores Associados, 2006.

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