CineBA Volume 1 | Page 8

Na sua opinião o que poderia ser feito para ampliar o acesso do público aos filmes da década de 60?

Petrus: A obra baiana, especificamente a do meu pai Roberto Pires, ela está disponível na internet. O que falta de fato é o interesse das pessoas, pois quando não estava na internet, tinha na Diretoria de Imagem e Som (DIMAS). Atualmente, você tem muito mais acesso do que antes. Na época, há 15 anos atrás quando eu comecei a me interessar por cinema baiano não tinha quase nada sobre o assunto, existia apenas um apontamento escrito pelo cineasta André Setaro. Mas hoje tem livros e a própria internet, para pesquisar sobre o assunto.

As pessoas não sabem que existe o cinema baiano e até existiu uma época em que não sabia. Um dia eu estava vendo filme com meu pai, um dos vários que a gente costumava assistir, porém ao terminar de ver, ele me perguntou se eu tinha gostado, respondi que sim e que tinha achado muito legal e então ele disse que o filme era dele. Nem eu conhecia a obra do meu pai, só depois que comecei a trabalhar na restauração dos seus filmes que entendi o grande artista que ele era.

Você se lembra de alguma história sobre o lançamento do primeiro filme do seu pai?

Petrus: O filme “Redenção”, chegou aos cinemas em 1958 e foi o grande sucesso da época. No ano do seu lançamento os longas estreavam sempre na segunda e saia de cartaz geralmente no domingo. Quando foi no domingo, meu pai recebeu uma notícia do Antônio Pithon, dono do “Cine Guarani” que hoje é o Glauber Rocha, disse que foi o maior sucesso e bateu recordes de bilheteria. Meu pai chegou em casa extasiado, dizendo que seu primeiro filme fez sucesso e já estava pensando como seriam os próximos.

Contudo ao chegar na segunda-feira ele voltou ao cinema para conversar com Pithon, para saber qual publicidade iria fazer para aumentar a audiência. Porém, quando chegou lá, estavam tirando o “R” de redenção do letreiro, ele logo pensou que iriam trocar por um maior ou colocar “Maior bilheteria de todos os tempos”, mas o dono do cinema falou que o filme não iria “dobrar”, ou seja não ficaria mais uma semana em cartaz, ele ficou sem entender, porque teve gente que não assistiu ao filme por conta das salas lotadas e estavam na espera para poder assistir. Então Pithon falou que ele tinha um compromisso com a Warner, para colocar os filmes da empresa em cartaz, por isso o “Redenção” não poderia ficar mais tempo.

Em 1958 um filme com aquele sucesso não ficou duas semanas em cartaz por conta de um contrato, imagina como é hoje?! O cinema está fadado ao fracasso, porque mesmo que você faça o melhor filme do mundo, ele não vai ir para o Multiplex, eles possuem contrato e às muitas vezes as pessoas vão ao cinema para ver o Tom Hanks ou outros atores famosos e não para ver um filme diferente.

Como foi a experiência de participar de alguns filmes na infância?

Petrus: Eu tenho nove irmãos, eu sou o mais novo e aos oito anos de idade eu participei do filme “Césio”, porque eu era considerado muito comunicativo. Porém eu era uma criança estranha (risos), cabeção, um dente para frente, eu não era o exemplo de criança bonita, mas continuei fazendo alguns comerciais. Entretanto em 1990, a Empresa Brasileira de Filmes (Embrafilme), de 100 filmes que eram produzidos por ano, passou a produzir um a cada dois anos. Foi uma crise muito forte, onde parou de produzir-se filmes e a ideia de cinema brasileiro era de filme pornô, mais conhecido como “pornochanchada”. As pessoas perguntavam se meu pai fazia filme pornô, mas existiam vários outros filmes, porém o cinema estava muito associado a isso. E quando o presidente Fernando Collor entrou no poder, ele fechou a Embrafilme sendo o declínio total do cinema, meu pai parou de fazer filme e minha promissora carreira de ator foi embora, Graças a Deus.

Como surgiu o desejo de começar a trabalhar na área cinematográfica?

Petrus: Meu pai nunca me incentivou a fazer nada, ele era um artista. Ao fazer 18 anos eu nunca me adaptei a escola, e então meu irmão mais velho, Cesar, me ofereceu um trabalho como ajudante de câmera dele.

Em 2001, quando meu pai faleceu, eu tinha 19 anos e um rapaz chamado Roque Araújo, disse que iria me ajudar, pois ele na época de gravação do “Redenção” saiu de eletricista para entrar no meio cinematográfico e segundo ele, meu pai o fez entender a vida de outra forma.

Quando eu comecei a fazer o estágio, eu morava no bairro da Graça, onde o pessoal nem sabia o que era cinema brasileiro. Como eu passava muito tempo na DIMAS a convite de Roque, muitas pessoas passaram a falar sobre o quanto Roberto Pires era importante e foi desse jeito que eu percebi o artista que ele era.

O desejo só surgiu de verdade quando a vice-diretora, Diana, da DIMAS, me contratou e me trouxe a missão de achar o primeiro filme do meu pai, “Redenção”. Pesquisando muito consegui encontrar uma cópia velha de 16 milímetros nas mãos de Lula de Cardoso Ires, um colecionador que morava em Recife, viajei até lá e assistir ao filme em um porão. Ao ver a primeira cena, meu pai atuando no papel de um caminhoneiro, com aquele narigão, eu soube que aquele era o filme dele.

A partir desse momento emocionante eu entendi o que era o cinema. Foi um caminho complicado, mas quando você faz uma coisa que não tem reconhecimento, isso te estimula a continuar. Para aqueles que realmente se importam com o cinema, sentem o quanto tem valor a preservação das obras antigas da Bahia e têm interesse, eu vou fazer de tudo para que elas tenham acesso a todas as obras.

Como você enxerga o atual cenário do cinema baiano?

Petrus: Comparando ao que eu vi no cinema baiano de 1998 para cá, foi de melhora, mas a gente também não sabe como pode ficar daqui para frente, por causa das políticas públicas. Contudo, atualmente com uma câmera e três lentes eu faço um filme. O audiovisual tem muitas possibilidades, você se formando na área pode virar uma videomaker e viver de audiovisual, fazendo seu filmezinho debaixo do braço, escrevendo no edital. Ai contrário é viver de cinema, mas de audiovisual é perfeitamente possível para todo mundo.

Existe mercado para tudo e para todos, pois hoje é mais segmentado, você consegue fazer um filme para qualquer direcionamento, que vai ter público, é só saber se comunicar.

Porque o gênero de filmes científicos são tão difícil de encontrar no Brasil?

Petrus: O cinema de gênero em si é mais difícil. Hoje, o cinema está sendo caracterizado como cinema de autor, por exemplo para poder fazer um filme nesse estilo deve ser um projeto de anos que esse autor deve se dedicar, precisa de muito dinheiro para investir ou ter criatividade. Meu pai, por exemplo, fez “Abrigo Nuclear”, onde você vai poder ver minha mãe grávida de mim.

Além de tudo, o cinema é uma indústria, se um diretor recebe 500 mil para fazer o filme, ele enterra esse dinheiro em tudo que envolve a construção do longa, e todos os técnicos contratados a maioria é do estado, no final de tudo, o dinheiro retorna para estado, já que ele financia os filmes. É estranho alguém achar que o dinheiro fica com a gente, pois não fica. Apenas o cinema americano que é financiado por eles mesmos e não pelo governo, mas também seus trabalhos passam no mundo todo. Mas aqui, na França e na Alemanha tem que ter financiamento, se não fizer a cultura será apagada.

Qual o conselho que você dá para essas pessoas que tem medo de fazer um filme na Bahia?

Vou contar uma história sobre o produtor, diretor e roteirista João Gabriel. Há 10 anos atrás ele fez um filme, “Quando nada Acontece”, onde o seu pai atuava, o filme não é bom, porém no final do longa havia a frase “Esse filme foi feito com 2 mil reais”, ou seja ele teve a vontade de fazer. Mas atualmente João fez um filme chamado “Travessia”, que teve outdoor por toda a cidade, foi para o cinema e talvez se ele não tivesse tido a coragem e o impulso de fazer aquele filme ruim há 10 anos atrás, ele não saberia a dificuldade de fazer um filme e você só sabe quando faz um. E talvez se ele não tivesse tentado, provavelmente ele não produziria mais nada.

As pessoas têm acesso a equipamento, indo na DIMAS por exemplo você consegue os aparelhos para a produção, e quem sabe ao fazer o filme não ganha Oscar? Quando eu era mais novo, eu e meu amigo Claudio Facto, fazíamos três filmes por ano e eram daqueles trash, porém era isso que alimentava nosso sonho, a gente se inspirava nos filmes que mais gostávamos como, O Iluminado, por exemplo. O impulso motivava a gente, e outra coisa: éramos jovens e os jovens não devem ter medo de errar, quem tem que ter medo sou eu, que estou mais velho.

Quais serão seus próximos projetos?

Eu vivo com essa função de preservar a memória do meu pai, ele era um artista, ele produzia e depois partia para o próximo, deixando de lado o que havia feito. Roberto Pires, tem oito filmes e apenas 4 foram restaurados, então ainda falta, além disso um desses está perdido.

Contudo o meu próximo projeto é o filme “A construção da morte”, juntamente com o cineasta, Orlando Senna, que havia me contado uma história que tinha feito e então nos juntamos e escrevemos um roteiro. Estamos em busca de patrocinadores, sendo que no Fundo Setorial do Audiovisual, já foi aprovado o roteiro, se tudo ocorrer bem, o longa será lançado no final de 2020. E um dos atores principais será o, João Miguel e eu quero que quando as pessoas forem ao cinema, elas falem “Eu quero ver esse filme com o ator João Miguel”, porque esse longa talvez seja meu grande desafio.

Qual a importância do cinema na sua vida?

Valter da Silveira disse “O cinema é a melhor maneira de eternizar a expressão de um povo em determinado momento”. Se você assistir ao filme do meu pai “A grande feira” a Bahia de 1960 está lá, pois o filme não foi maquiado, ele foi rodado na feira de São Joaquim, as filmagens foram feitas nas ruas de Salvador, por isso ele é considerado o grande retrato da cidade física e em movimento e mesmo que tenham fotos nos jornais, o cinema é a arte viva de uma época.

Nos anos 80, o cineasta baiano, Edgar Navarro, fez um filme chamado SuperOutro. Que mostra o impulso do jovem e tem toda essa expressão jovial do hippie, punk baiano daquela década e está cravado no filme dele. A história narra um cara que fica maluco e se denomina “Super Homem” que na verdade era o “SuperOutro” e se joga do Elevador Lacerda e essa é a cena final, ele voando, uma parte bem mal feita, entretanto é essa a expressão punk, hippie, e undergroud baiana. E onde mais você encontraria isso se não for no cinema?

Pode encontrar uma foto, contudo a importância do cinema é isso: você expressar uma determinada cultura em movimento. Outro exemplo é o filme do meu pai, “Redenção”, que mostra a sociedade baiana andando de paletó e com outra maneira de falar. E quando o espectador termina de ver, ele irá poder observar como as coisas mudam.

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