As ruas e a democracia. Ensaios sobre o Brasil contemporâneo | Page 98
Por isso, seria fundamental que se reunissem representantes
de todos os interesses num amplo fórum de discussão para, no
curto prazo, desenhar uma política de ataque emergencial ao
problema. A saúde da população merece. Para Gastão Wagner
de Souza Campos (2013), “o programa Mais Médicos foi uma
resposta ao movimento social dos últimos meses. Há nele propostas que merecem apoio e outras inadmissíveis. A forma atabalhoada de encaminhamento gerou acirramento e cizânia.
O movimento médico rejeitou o projeto em bloco e ainda se
retirou dos espaços institucionais de negociação. Entretanto, escolas médicas, especialistas e profissionais continuaram criticando e fazendo sugestões de mudanças. Espera-se que governo, parlamentares, universidades, tenham capacidade de
negociação para além de seus interesses particulares”.
A melhor perspectiva é aproveitar a hora – as pressões por e
as propostas de – para quebrar e desfazer o “mal-estar” que cerca a saúde pública e a política de saúde. Pesquisadores importantes do setor têm se dedicado a decifrar o sistema, cujas falhas
e distorções chamam atenção: “ao ser responsável por menos de
50% dos gastos com saúde no país, o SUS deixa de ser universal
no plano fático. No presente, a universalidade do SUS reside
exclusivamente em sua realidade ideológica originária” (GUIMARÃES, 2013, p. 163). Isso ocorre, em boa medida, porque a
política de Saúde que prepondera tem como característica uma
dualidade que a está mortificando. “O governo Dilma herdou
duas políticas substancialmente antagônicas: 1) o compromisso
com o Sistema Único de Saúde (SUS), originado na Constituição de 1988, de acesso universal e gratuito; 2) e a articulação
orgânica do governo federal com o setor de planos de saúde por
meio da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Poucos países apresentam tamanho conflito de objetivos na política
sanitária. Ao admitir a possibilidade de incentivar mais planos
de saúde, o governo Dilma confirmava que o SUS saíra da
agenda do PT e partidos coligados” (COSTA, 2013).
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