As ruas e a democracia. Ensaios sobre o Brasil contemporâneo | Page 95
a obedecer ao contrato e o governo não se responsabiliza pela
degradação da clínica nos serviços públicos. A carreira deveria
pôr fim a esse pacto perverso” (SOUZA CAMPOS, 2013).
Pode-se fazer raciocínio semelhante com a proposta de formar mais médicos. Há boas ideias a esse respeito e a Associação
Brasileira das Escolas Médicas (Abem) já fixou diretrizes para
disseminar e regular a formação. Mas não é razoável que se
queira estender o curso de medicina para oito anos. É ótimo
que se busque criar mais 10 mil vagas para residência, particularmente se forem de fato dirigidas para médicos de saúde da
família (especializados em atenção primária). Mas não faz sentido que se pense em aumentar para 10 mil/ano as vagas para
graduação médica. É uma quantidade mal projetada, superestimada, que terminaria por estimular a abertura sem critério de
escolas privadas.
Caso seja mal articulada, uma boa ideia pode produzir efeito
inverso. E é justamente a dificuldade de articulação que tipifica
o momento atual do governo.
No horizonte, anuncia-se aquilo que se costuma chamar,
sem muita precisão, de “crise de governança”. O governo quer
governar, mas não consegue. Em parte, porque não sabe bem o
que fazer, tem pouca articulação e carece de coordenação política: não está sabendo compartilhar decisões e propostas, desgastando-se. E em parte porque há pedras soltas no pavimento,
que o fazem tropeçar. Pode-se falar em crise, também, porque
os demais poderes do Estado (Legislativo e Judiciário), além de
não poderem substituir o Executivo, não estão de modo algum
no melhor da sua forma e não contribuem para que se governe
mais e melhor. Há algo de “crise de governabilidade” no pedaço, ou seja, de incapacidade institucional de transferir legitimidade e representatividade para o governo. Sua base parlamentar
de sustentação é quase patética, e não se envergonhará de aproveitar a eventual fraqueza governamental para enfiar mais fun-
II. Depois de junho. Sobre as respostas governamentais
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