As ruas e a democracia. Ensaios sobre o Brasil contemporâneo | Page 94
governamentais tenderão a ser esquecidas e os gabinetes palacianos terão de preparar outras.
O maior erro da proposta governamental para a Saúde é vir
de cima para baixo e não definir satisfatoriamente os detalhes
operacionais. A sociedade vê com bons olhos tanto a exigência
de que os médicos deem algumas horas de serviço para o SUS,
quanto a ideia de se trazer médicos estrangeiros para preencher
eventuais vazios existentes no sistema de saúde. O programa
Mais Médicos para o Brasil, apresentado pelo Ministério da
Saúde e pelo Ministério da Educação, prevê residência obrigatória de 2 anos e com bolsas em atenção básica de sa úde, para
incrementar o atendimento em regiões carentes e prioritárias do
SUS. Inclui ainda: a importação de profissionais estrangeiros,
sem revalidação do diploma, também para atender aos 1.500
municípios que hoje não dispõem de nenhum médico; a criação
de novas escolas de Medicina nas regiões mais necessitadas; e a
aplicação, até 2015, de R$ 15 bilhões nas Unidades de Pronto
Atendimento (UPAs) já existentes e na construção de hospitais
regionais próximos às novas escolas.
É um conjunto variado, com aspectos muito bons e outros,
controvertidos. Não produziram consenso imediato, e seria estranho se isso tivesse acontecido. As coisas não são simples
quando se vai para o terreno operacional. Tudo se converte em
batalha política. A contratação de 11 mil médicos para a rede de
atenção básica deve ser apoiada com firmeza, até porque a extensão da atenção primária para mais de 90% dos brasileiros
nunca foi assumida como prioridade. Entretanto, a forma de
contratação sugerida é discutível. Contratos provisórios, ainda
que bem remunerados, não são solução sustentável. Seria muito
melhor se se propusesse uma carreira para o SUS. “Já é hora de
criar uma política de pessoal decente para o SUS. Temos recursos e proposições factíveis que combinam a cobrança de responsabilidade sanitária com autonomia para médicos e outros profissionais. Há um círculo vicioso em que médicos não se obrigam
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