As ruas e a democracia. Ensaios sobre o Brasil contemporâneo | Page 92

Brasília está desprovida de operadores políticos em número e em qualidade para administrar a crise, que é grande e complexa, ainda que de modo algum incontornável. Faltam ao governo mais inteligência, musculatura e sensibilidade, ou seja, capacidade de negociação política, articulação, comunicação eficiente e quadros técnicos. Além disso, o próprio eixo da estratégia – o governo sempre quis fazer, mas foi impedido pelo excessivo corporativismo do Congresso (e dos médicos, acrescentemos) – não tem como ser levado muito longe, pois a agenda das políticas públicas está aberta e vem sendo discutida há anos e o governo, que integra um ciclo de esquerda que dura uma década, já poderia ter feito o barco andar. Mesmo que tivesse contra si todos os ventos, o que não ocorreu. A substância do que propõe o governo é correta e eficiente, seja quanto à necessidade de uma reforma política, seja quanto às medidas para melhorar a saúde pública. No segundo caso, o governo pôs as cartas na mesa e está obrigando os trabalhadores da saúde, e os médicos sobretudo, a se posicionarem. Quer aumentar o número de médicos em ação no país e quer que eles atuem no âmbito do SUS, usando para isso o serviço obrigatório. Parece-me difícil alguém ser serenamente contrário a isso. O consenso, porém, fica mais difícil quando se passa para o terreno do como fazer, para os detalhes, as planilhas de custos, os cronogramas, os desdobramentos e as implicações, os resultados efetivos, os que serão afetados. E é aí que a velocidade tem de ser reduzida e os interesses precisam ser integrados. Por que 2 anos, e não 3 ou 1, para a prática obrigatória? Serão todos os estudantes, ou somente os das faculdades públicas? Se forem incluídos todos, o governo também pagará as mensalidades às escolas, além das bolsas aos estudantes? Supõe-se, por exemplo, que mais médicos trarão melhor atendimento. A medida será reforçada por uma injeção de recursos financeiros e de 90 As ruas e a democracia