As ruas e a democracia. Ensaios sobre o Brasil contemporâneo | Page 76

Outro erro estratégico foi não ter proposto coisas que de fato produzam impacto nas pessoas. Foi traída pela linguagem técnica. O que seria um “plano nacional de mobilidade urbana”. E “oxigenação política”? Falar que vai trazer médicos do exterior para melhorar a saúde? E que vai transferir subsídios do pré-sal para a educação? Pouca gente se deixou seduzir, persuadir ou contagiar. Até porque essas coisas não são imediatamente traduzíveis. Postas assim, ficam como folhas ao vento. Foi bom o anúncio de que prefeitos e governadores seriam convocados para uma discussão política com envergadura nacional. Demonstrou com isso disposição para sentar e conversar, e portanto para negociar e recompor relacionamentos. Deu um passo além da caixinha de venenos que é a contraposição eleitoral PT vs PSDB. Disse ainda que passaria a chamar manifestantes para conversar. Faltou, no discurso, uma mensagem aos partidos – justo a eles, que operam a falência do sistema. Deveria ter sido mais dura com eles, a começar de seu próprio partido. Poderia ter explicado para o povo que o “presidencialismo de coalizão” produz governos ruins que emparedam os presidentes e os impedem de governar bem. O discurso insistiu bastante na defesa de uma reforma política. Mas o que é isso, no jargão presidencial? Deu-se o rótulo, mas não o vinho. Ela poderia ter falado, por exemplo, que a reforma visa a deixar o sistema mais leve e mais capacitado para a responsiveness, diminuindo o tamanho do Congresso, reduzindo seus custos (os salários, os assessores), simplificando o sistema eleitoral para que possa ser mais transparente e coerente. Até da Copa ela falou, para salientar que o dinheiro gasto com as arenas é fruto de financiamento e que ela jamais permitiria que os recursos saíssem do orçamento público federal e prejudicassem setores essenciais. No momento em que foi ao ar, não deu para saber se o discurso convenceu e que efeitos poderia ter. [22/06/2013] 74 As ruas e a democracia