As ruas e a democracia. Ensaios sobre o Brasil contemporâneo | Page 74
O próprio movimento, que refluiu depois de um tempo mas não
foi assimilado ou desativado, ficou de frente para seu próprio
vir-a-ser, tendo de processar as conquistas e a imaginar os próximos passos: se formas mais organizadas não vierem a surgir,
os protestos tenderão a ser engolidos por outras dinâmicas. Uma
agitação não constrói decisões: pede e exige, mas precisa de articuladores (políticos, partidos, gestores) para que se formate
uma agenda. Para que reivindicações cheguem ao Estado, não
bastam as redes sociais. Não se trata de lideranças, mas de instâncias que coordenem, processem e lancem pontes para o
Estado.
Se o feiticeiro ativou forças com sua magia, não se deve deixar
que ele perca o controle sobre elas. O pior que pode acontecer é o
movimento desenhado nas ruas de junho ser capturado pelo sistema, pelas “forças da reação” ou pela estupidez dos desmiolados.
As ruas não têm dono nem voz uníssona e uma hora ou outra baterão no teto. E quando isso acontecer, poderão se deixar
arrastar pelo primeiro demagogo que souber seduzi-las. Populistas de plantão estarão de olho nelas. Como sempre. [O Estado
de S. Paulo, 22/06/2013].
Um discurso pela metade
Em 21 de junho de 2013, a presidente Dilma falou à nação.
Muitos aplausos e muitas vaias, como de praxe.
É preciso entender a situação da presidente. Ela coordena
um órgão – a Presidência da República – que é o centro de um
sistema amplo e que está, o sistema (mas suspeito que também
a Presidência), fazendo água. Além do mais, Dilma foi encurralada nas últimas semanas pelas ruas, e não teve recursos para
sair da parede. Seu partido, seus aliados e seus operadores foram
fracos e muitos chegaram mesmo a ser patéticos na resposta ao
que se passava no país.
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As ruas e a democracia