As ruas e a democracia. Ensaios sobre o Brasil contemporâneo | Page 73

Da revolta participaram jovens majoritariamente da (“velha”) classe média porque são eles que têm mais informação, maior disponibilidade e mais energia contestadora. Até certo ponto, também são eles que têm mais a perder (ou menos a ganhar) com a reprodução do estado de coisas atual, que lhes cortou as perspectivas. Mas não foram somente eles. Houve jovens e não tão jovens que representavam outros segmentos, houve os que foram às ruas por solidariedade ou para demonstrar repulsa à violência, assim como os que fizeram isso por motivações eleitorais e os que foram para zoar, quebrar ou fazer festa. Todos de algum modo disseram: queremos um futuro, que vocês, políticos, empresários, partidos, estão nos impedindo de ter. Não estavam totalmente errados. As vozes foram polissêmicas porque nelas cabia tudo. Não houve tema ou problema que lhes tenha passado despercebido. Foram assim porque os problemas sociais são enormes e porque o movimento que as embalou não aceitava hierarquias, comandos ou planejamento – não teve lideranças claras e dirigentes eleitos, ainda que tivesse alguma organização espontânea. Naquela polissemia que se auto-organizou estiveram a beleza e a força dos protestos, aquilo que lhes deu impulso e oxigênio. Foi um avanço político extraordinário que as vozes das ruas tivessem sido ouvidas. O ruído, o atrito, o conflito, a contestação desempenharam papel eminentemente de alerta, de advertência, que somente os pobres de espírito e inteligência poderão desprezar. O recuo dos prefeitos e governadores no caso das tarifas prova ao mesmo tempo a força do movimento e o despreparo do sistema político. Pode ser um exagero dizer isso, mas tudo leva a crer que será difícil que se consiga continuar a governar como antes. O silêncio dos políticos foi constrangedor. Ficou patente que a arrogância das cúpulas e das elites – de direita, centro e esquerda – terá de arrefecer. Ingressou-se em outra dimensão. II. Depois de junho. Sobre as respostas governamentais 71