As ruas e a democracia. Ensaios sobre o Brasil contemporâneo | Page 63

sensação de urgência instalada na sociedade, ainda que não haja nenhuma tragédia à vista. Os brasileiros querem mais dos governantes, especialmente em termos de saúde, educação, segurança, combate a corrupção e mobilidade urbana. Foi esse o motivo que levou as massas às ruas em junho e que poderá mantê-las mobilizadas. A reforma política está na agenda faz tempo. É um erro banalizá-la ou combatê-la. O país necessita de outro sistema político. A superação da ditadura nos anos 1980 não teve força para ajustar as instituições políticas e impor um novo modo de fazer política, situação que se agravou com as transformações socioculturais ocorridas nas décadas seguintes. As elites políticas – de todos os partidos, da esquerda à direita – acomodaram-se ao sistema e passaram a se beneficiar dele, desvirtuando o que havia de potência democrática. Sequer os instrumentos de participação direta inscritos na Constituição (conselhos de direitos, consultas plebiscitárias, referendos populares) foram devidamente aproveitados. Uma reforma em sentido forte, que modifique o sistema, produza impacto na cultura política e no modo de governar, é um desafio que só tem como ser vencido se incluir todas as forças sociais, dentro e fora do Estado. Uma reforma política cosmética, dedicada a alterar regras eleitorais, de nada servirá. A sociedade brasileira apresenta graves déficits organizacionais. Oscila entre as ruas e o Estado, sem presença ativa da sociedade civil entendida como plano superestrutural em que se organizam interesses, ideias e consensos, um espaço associativo para postulações hegemônicas (Gramsci). A expressiva sociedade civil brasileira está atravessada por muitas diferenciações e não tem sujeitos vocacionados para articulá-la. Muito provavelmente, em termos organizacionais, os partidos continuarão mais ou menos os mesmos, semivivos na política. Mas em termos programáticos, substantivos, em termos de I. Brasil 2013: as vozes das ruas e os limites da política 61