As ruas e a democracia. Ensaios sobre o Brasil contemporâneo | Page 62
ção urbana livre, ampla e irrestrita, “mais parques e menos shoppings”; megaeventos só quando indispensáveis, autossustentáveis
e culturalmente densos, internet livre, respeito aos direitos de
todos e especialmente das minorias, polícia civilizada, perspectiva ambiental, serviços públicos de qualidade e universais.
Mais cidadãos e menos consumidores, mais Estado e menos
mercado, em suma.
É uma agenda básica, que converge para a reformatação do
Estado. Um desafio para a inteligência política.
O mais grave desdobramento dos protestos não foi o ressurgimento do temor de um “golpe de direita”, mas sim a dificuldade
de resposta das instituições políticas. Nenhum partido mostrou-se qualificado para processar democraticamente as vozes das
ruas. O governo representativo, como tal, não se mostrou à altura,
e não somente por falhas localizadas no Palácio do Planalto.
Não foi acidental, por isso, que tenham sido ouvidos ecos da
tradicional vertente nacional-populista, sempre dependente da
existência de alguma liderança carismática expressiva, papel
que Lula poderia eventualmente desempenhar. Mas Lula não é
um populista típico, bem ou mal é um político de partido, não
vocacionado para eventuais manobras eleitoreiras de exploração
popular. A manutenção de seu nome como uma reserva eleitoral para a eventual dissolução das chances de Dilma nas eleições
de 2014 mostra, porém, que não foi desativada a perspectiva de
que se encontre um atalho pela via da exacerbação do decisionismo governamental.
O Brasil está hoje em um ponto de inflexão. Se os protestos
de junho disseram algo foi isso: tudo precisa ser diferente a partir de agora. Foi como se tivessem dito: “Queremos um futuro
que vocês – políticos, partidos, governantes – estão nos impedindo de ter. Queremos participar da construção dele, e vocês
estão atrapalhando”. O país não vai bem. O discurso positivo
dos governos é desmentido cotidianamente pelos fatos. Há uma
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