As ruas e a democracia. Ensaios sobre o Brasil contemporâneo | Page 61
se é multicêntrico e horizontal e se auto-organiza na luta, outras pautas (algumas até reacionárias) irão inevitavelmente engrossá-lo. Se a violência está diariamente nas ruas e faz parte da
vida cotidiana, porque não apareceria em manifestações que
têm a cara das ruas? Mas se ela está aí, entranhada, não é por
isso que contaminaria irremediavelmente os protestos.
A tese de que a mídia conservadora teria trabalhado para
fazer com que a população se voltasse contra o governo Dilma e
o PT deu pouca atenção à situação social concreta em que se
vive e ao caráter da própria mídia atual, que privilegia imagens,
sensações e percepções. E não monopoliza o pensamento e as
escolhas das pessoas.
Futuro em aberto
Os protestos de junho demarcaram uma zona vazia da sociedade, abandonada tanto pela coalizão governante, quanto
pelo PT, pelos partidos aliados e pelas oposições. Na próxima
fase, o descontentamento poderá mostrar ter fôlego curto, assim
como poderá se politizar e crescer com a incorporação dos segmentos sociais beneficiários do sistema, caso eles sejam de algum modo prejudicados pela crise econômica. Erros que eventualmente vierem a ser cometidos na política cambial e na
política de juros também poderão repercutir na reativação dos
protestos. E a questão do emprego, caso saia do controle, tenderá a jogar na oposição alguns setores sindicalizados leais ao governo. Uma eventual mobilização maciça da classe trabalhadora, com sua agenda e suas organizações, alterará a qualidade
dos protestos e de seu processamento político.
A palavra de ordem emitida pelas ruas não foi genérica ou
alienada. Foi clara: queremos um Estado aberto para as pessoas,
menos dependente do capital, desvinculado de multinacionais,
bancos e empresários. Mais social e menos econômico. Os jovens que protestaram, no fundo, pediram coisas simples: circulaI. Brasil 2013: as vozes das ruas e os limites da política
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