As ruas e a democracia. Ensaios sobre o Brasil contemporâneo | Page 60

nistas. Apelos à “ordem” e à “responsabilidade” foram repetidos de modo generalizado, acompanhando em boa medida o esforço que o governo e a grande mídia fizeram para assimilar e administrar a nova conflitualidade social. A denúncia de que havia um golpe em preparação disseminou-se como febre (um viral) nas redes. Duas teses foram então apressadamente repetidas: a do golpe em marcha e a da captura da pauta dos manifestantes pela mídia conservadora. Comportamentos genéricos da massa – uma bandeira nacional, um rosto pintado em verde e amarelo, a vaia a uma bandeira vermelha – foram traduzidos como se significassem alienação ou manipulação direitista. As teses progrediram com facilidade, num momento de paranoia tão comum nas redes sociais. Os que as esposaram sequer perceberam que confessavam, sem intenção, que tudo o que ocorria nas ruas não servia para nada, que as massas não passavam de massa de manobra da direita. A movimentação desencadeou forças que não conseguiu direcionar. Houve ingenuidade nas ruas, mas não falta de seriedade ou burrice. Lançada a semente, a árvore cresceu. E dela saíram múltiplos frutos, democráticos na maioria, podres e reacionários outros poucos. Mas os frutos podres não foram plantados pela direita ou pela mídia conservadora. Brotaram do chão social, onde estão sendo semeados faz tempo, como autênticos filhos da época presente, da estrutura em que se vive, dessa era complicada que fez da política algo que causa raiva, frustração e desconforto. Em manifestações horizontais, multicêntricas, com baixo poder de agenda, há sempre uma tendência de risco: provocadores e gente politicamente desqualificada, movidos por um tipo de ódio social e ressentimento que não se compõem com democracia. Eles alimentam uma violência que não é política (é “estética” e “simbólica”), que costuma ser instrumentalizada pela direita e somente gera recrudescimento da repressão policial. Se um movimento não se propõe a coordenar, 58 As ruas e a democracia