As ruas e a democracia. Ensaios sobre o Brasil contemporâneo | Page 59

Um mês depois da revolta de junho, as centras sindicais organizaram um Dia Nacional de Lutas. Não levaram massas expressivas às ruas, mas marcaram posição. Os protestos de junho pediram reconhecimento, direitos, participação e políticas públicas; o de julho falou pelo trabalho. Se junho foi de massas, julho foi de classe. Os protestos juninos foram polissêmicos e horizontas; o de julho foi uníssono. Em junho, houve festa, militância cívica, política de novo tipo e pouca organização. O Dia Nacional foi sindical, organizado e à moda antiga. O som de junho foi da opinião e do sentimento; em julho ouviu-se a voz do interesse. Em junho, escutaram-se os gemidos de um mundo que desponta; em julho, o grito rouco e cansado de um mundo que resiste para não acabar. Os novos ativistas apressaram-se em declarar: “o povo não precisa de nenhuma cartilha, de ninguém falando alto no microfone para dizer o que ele tem de fazer ou não” – resposta arrogante, narcisista e niilista à avaliação que os sindicalistas haviam feito antes, quando menosprezaram os jovens que começavam a se manifestar. O bate-boca entre “jovens horizontais” e “sindicalistas verticais” somente revelou as dificuldades que ambos tiveram de encontrar um foco comum que encaminhasse a voz das ruas para o futuro. Uma falha da politicidade das ruas. No fundo, tudo é política. Protestos horizontais e verticais são formas democráticas de participação e quanto mais confluírem e se articularem, melhor para todos. Afinal, seus efeitos e virtudes não estão pré-determinados, não são propriedade de ninguém e aparecerão no processo, conforme circunstâncias e decisões. A instabilidade política traz más recordações aos brasileiros. Esteve na base dos vários ciclos ditatoriais de sua história. O Brasil não parece, hoje, propenso a uma nova fase autoritária, mas a explosão das ruas e a ocorrência, nelas, de ações violentas e fora de controle, assustaram governistas e oposicio- I. Brasil 2013: as vozes das ruas e os limites da política 57