As ruas e a democracia. Ensaios sobre o Brasil contemporâneo | Page 58

destaque à igualdade, aos direitos, às liberdades, aos indivíduos. Ela mostrou à velha esquerda que a democracia é um valor que precisa ser praticado no Estado e no cotidiano, que luta política é mais que controle de votos e recursos de poder. Movimentos animados por redes não precisam ser prisioneiros do universo virtual. Podem agir no mundo concreto. Debatem, agitam e pressionam, mas vivem sob a constante ameaça de diluição, em decorrência da dificuldade que têm de traçar uma rota planejada ou formar um todo mais articulado. Se cada um pretende mudar as coisas a seu modo, como produzir ação coletiva? O maior perigo que ameaça as redes não vem de fora, mas de dentro delas. A conversão de todos em produtores de informação e opinião contém uma extraordinária possibilidade de democratização, mas não é imune aos riscos de distorção e manipulação. Nas redes, vive-se sempre com uma espécie de ilusão de equilíbrio. Todas as vozes merecem ser ouvidas em quaisquer circunstancias. Por isso mesmo, qualquer insensatez bem distribuída e que disponha de um bom trabalho nos bastidores pode inviabilizar as propostas de um movimento social. Seria trágico, por exemplo, se esse ativismo se pusesse contra a democracia representativa ou se a sociedade civil por ele projetada deixasse de ter um Estado como referência. O ciberespaço e as ações antissistêmicas só podem produzir resultados políticos se não se separarem dos embates sociais concretos, das tradições enraizadas, das instituições que organizam o mundo real. O ativismo virtual mostra-se avesso a partidos, cansado de políticos, descrente da atuação dos governos e determinado a fazer-se ouvir. Terá potência para remodelar a sociedade sem um Estado democrático e um sistema representativo? A “vida líquida” anuncia o fim dos partidos políticos tal como os conhecemos, mas também cria condições para que novas modalidades de ação cívica deem a eles uma segunda chance. 56 As ruas e a democracia