As ruas e a democracia. Ensaios sobre o Brasil contemporâneo | Page 55
Depois de um mês de efervescência, as ruas deixaram um
saldo. Ele não incluiu as respostas pontuais e pouco produtivas
das autoridades às demandas da população. “O principal saldo
consistiu na construção de uma comunidade não essencializada
e indeterminada, isto é, na formação em ato da vontade coletiva,
apoiada na intersubjetividade e em pressupostos pragmáticos
dos atores” (CARVALHO, 2013).
Novos e velhos ativistas
De repente, como se brincássemos com dominós, as peças
foram caindo uma após a outra e em questão de minutos o país
ficou diferente. Como mágica não existe em política, algo ocorreu para que a mobilização decolasse. Os motivos imediatos foram imprecisos, e não poderiam ser comparados, por exemplo,
com os milhões que fizeram a Primavera Árabe no início de
2011. Aproximaram-se da atitude dos Indignados da Espanha
que, naquele mesmo ano, se lançaram contra “tudo o que está
aí”, o desemprego, os políticos, a crise econômica, o cancelamento do futuro. Em comum, a sensação real de que tudo está
conectado, a rapidez dos acontecimentos, a juventude dos participantes, a internet, o desejo de liberdade.
O junho brasileiro foi um grito de angústia coletiva contra a
vida de hoje, que não deriva de uma longa noite de autoritarismo mas se ressente do mau funcionamento do Estado de bem-estar. Não antecipou um ciclo revolucionário, mas anunciou
uma nova dialética política.
Os novos ativistas querem outro tipo de política. Uma política de cidadãos, não só de políticos, militantes partidários ou
entidades. Desejam atuar de forma mais livre e horizontal, mediante ações que se organizam no calor da hora e em função
dos recursos e da disponibilidade dos participantes. Nas manifestações dos nossos tempos líquidos, não há partidos ou sindicatos no comando. Não se fazem assembleias à moda antiga,
I. Brasil 2013: as vozes das ruas e os limites da política
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