As ruas e a democracia. Ensaios sobre o Brasil contemporâneo | Page 54

mal-estar não desaparecerá, mas as ruas terão menos voz política, democrática, e perderão força. As massas que foram às ruas em junho oscilam entre uma nova politicidade, à margem de partidos e organizações, e tendências “niilistas” pré-políticas. Não faz sentido romantizar os protestos, vê-los como sendo o anúncio de uma democracia revitalizada e ignorar que eles foram uma “terra de ninguém”, aberta ao protagonismo genérico de muitos grupos e indivíduos. As vozes da revolta verbalizaram demandas reais, mas também muita intolerância e incompreensão. Disseram muitas coisas, mas não forneceram soluções. Despertaram consciências e tiraram a política da letargia, mas não anunciaram uma revolução. É impossível saber se as ruas continuarão mobilizadas, mas pode-se dizer que elas não têm como ir muito longe ou como impor mudanças substantivas, que mexam na estrutura da sociedade, que é onde estão a determinação e a raiz dos problemas. Têm baixo poder de agenda: não se entendem sobre as razões que as ativaram nem sobre os passos políticos que terão de ser dados. Como a dimensão estrutural dos problemas não sofrerá alteração, ao menos no curto prazo, pode-se dizer que a instabilidade política e a revolta das ruas persistirão, assim como sua dificuldade de protagonizar situações de maior subjetividade política. O governo Dilma, por sua vez, continuará a exibir déficits preocupantes de liderança e coordenação política, vitimado que está pela estrutura do país, pelas opções macroeconômicas, pelos condicionantes feitas por sua base parlamentar e pela inoperância do PT. Um novo mandato para Dilma ou o governo que vier a substitui-la a partir de 2015 somente mudarão esse quadro se conseguirem avançar no combate firme ao sistema que reproduz conservadoramente as estruturas da sociedade. Uma crise sistêmica como a que se vive no Brasil somente pode ser superada por uma mudança sistêmica. 52 As ruas e a democracia