As ruas e a democracia. Ensaios sobre o Brasil contemporâneo | Page 53
ca, e assim por diante. Essas tarefas poderiam ser mais bem realizadas se partidos políticos atuassem em comum acordo com os
manifestantes ou colaborassem para articular a sociedade civil.
Mas os partidos não conseguem mais fazer isso. Não se mostram
em condições de se reciclarem, o que deixa os protestos das ruas,
ao menos num primeiro momento, sem muitas possibilidades de
evolução em termos políticos.
Além do mais, as vozes das ruas giram num tempo e numa
velocidade, ao passo que as vozes do Estado giram em outras.
Falam línguas diferentes e seguem “estéticas” distintas, que se interpelam com dificuldade.
A natureza não partidária dos protestos teve, porém, uma dimensão virtuosa: ao se afastarem de partidos, receberam forte
adesão popular e não puderam ser instrumentalizados politicamente, o que prejudicou especialmente os setores mais conservadores, desejosos de encontrar meios de atacar o governo Dilma.
Desse ponto de vista, as ruas foram mais políticas do que os partidos, ainda que não tenham se convertido em sujeitos políticos.
O que se ganhou com isso, porém, não teve como ser plenamente aproveitado. Ruas não se mobilizam de modo permanente e somente conseguem manter regularidade e se “converterem
em Estado” se estiverem acompanhadas de sujeitos políticos
mais estáveis e capacitados para criar pontes com o Estado e a
vida institucional. O que se ganhou com as jornadas de junho
poderá ser diluído se os protestos futuros não trouxerem consigo
a superação de sua fragmentação e a formação de subjetividades
políticas mais estáveis. Ou se, neles, ganharem maior projeção
as orientações neoanarquistas – individualizantes, contrárias à
política e à institucionalidade e dispostas ao confronto em nome
de uma “violência simbólica” que somente gera caos e desorganização. Ou, ainda, se se reduzirem à hiperatividade de pequenos focos de contestação mais interessados em sua autoexpressão do que em organizar consensos. Se isso vier a ocorrer, o
I. Brasil 2013: as vozes das ruas e os limites da política
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