As ruas e a democracia. Ensaios sobre o Brasil contemporâneo | Page 50

pela condução da economia deixarão a temperatura elevada ao menos até o início da próxima Presidência, em janeiro de 2015. Nesse quadro, algumas questões podem ser destacadas. 1. A primeira delas associa-se ao futuro da preponderância de Lula na esquerda brasileira, no PT em particular e na sociedade. Os que resistem a ela ficaram momentaneamente fortalecidos e poderão a partir de agora encontrar alternativas à figura emblemática do ex-presidente. Tal hipótese esbarra, no entanto, nas dificuldades que essa parte da esquerda tem de produzir lideranças expressivas e elaborar um projeto consistente de sociedade e de Estado. Enquanto não forem superadas essas dificuldades, a tendência é que o surgimento de alternativas permaneça mais na dimensão discursiva do que na atuação prática. Transferir-se-á tensão para o interior do bloco que sustenta o governo Dilma sem que se consiga deslocá-lo ou sensibilizar expressivamente a sociedade. 2. Em segundo lugar, a entrega do PT ao jogo político tradicional e à fisiologia das coalizões ao longo dos últimos 13 anos produziu profundo desgaste no partido. Com todas as ilusões que costumam acompanhar esta atitude, o vigor que exibira entre 1981-2000 no combate ao capitalismo e na proposição de reformas por vezes pouco realistas lhe havia aberto uma oportunidade para se tornar hegemônico na esquerda e na opinião pública. O partido avançou, incorporou perspectivas mais realistas e chegou à Presidência em 2002. Nesse momento, surpreendentemente, estacionou. Especialmente depois do Mensalão, em 2005, o partido agarrou-se ao poder, oligarquizou-se, perdeu a vivacidade progressista de antes, afastou-se dos movimentos sociais e se deixou atrair pelo conservadorismo, especialmente em matéria de política econômica. Deixou de ser um partido programático e propositivo, e passou a respirar conforme as posições que ocupava na estrutura governamental. Permaneceu ganhando eleições, mas já não tinha mais qualquer projeto de hegemonia. 48 As ruas e a democracia