As ruas e a democracia. Ensaios sobre o Brasil contemporâneo | Page 47

der 3 ou 4 horas diárias no trânsito, sofrendo os dissabores provocados por ônibus sucateados e superlotados. Articuladas em redes, as vozes urbanas tendem a reverberar e a contagiar a sociedade. Denunciam aquilo que o conjunto da população conhece por experiência própria, cotidiana: as falhas gritantes do sistema educacional, do sistema de saúde pública, dos transportes, da infraestrutura; a ineficiência dos governos e do sistema político, suas taxas absurdas de corrupção, sua facilidade para propagandear e espetacularizar obras e decisões. Não foi acidental que as manifestações de junho também tenham se insurgido contra os elevadíssimos gastos feitos para organizar os megaeventos esportivos (Copa das Confederações, Copa do Mundo, Olimpíadas) que foram apresentados como “conquistas” governamentais com a explicação de que dariam visibilidade ao país e ajudariam a montar a infraestrutura necessária para que ele se tornasse uma superpotência esportiva. As pessoas foram às ruas não tanto pelo que perderam, mas pelo que não conseguiram obter, por sonhos que fracassaram. Suas reivindicações plurais necessitam, para serem atendidas, de passos e gestos ousados. Nesse ponto, os brasileiros esbarram em sua própria história de “revolução passiva” e “modernização conservadora”, que travou o progresso social, oligarquizou a política e legou para o futuro um verdadeiro continente de pobres e excluídos. O protagonismo governamental mostrou-se impotente para alterar essa face do Estado. Foi travado pelas opções feitas e pelos bloqueios derivados do sistema político, com suas regras e seus protagonistas. A reprodução do engenhoso sistema de poder tornou-se mais difícil com a ausência de Lula e com os atritos que se seguiram à sua substituição por Dilma Rousseff. A troca de um hábil líder carismático com forte apelo popular por uma técnica sem expressão política prejudicou a gestão do sistema. O PT perdeu capacidade de processamento e não conseguiu mais I. Brasil 2013: as vozes das ruas e os limites da política 45