As ruas e a democracia. Ensaios sobre o Brasil contemporâneo | Page 38

rança presidencial, por uma ampla coalizão parlamentar e pela cooptação de muitas lideranças populares pelo Estado. Políticas de combate à miséria combinaram assistencialismo paternalista e direitos de cidadania, numa mescla que produziu efeitos sociais importantes, mas que não modificou a estrutura do país e gerou novos problemas. Assistiu-se no correr dos anos não ao ataque do trabalho contra o capital, o que seria de se esperar em se tratando de um partido de esquerda que chegara ao poder. Mas sim a uma espécie de “transformismo”, naquele sentido que Gramsci atribuiu ao termo: um método para garantir a realização de um programa limitado de reformas e prolongar a permanência no poder mediante a cooptação de membros da oposição. Não se tratou de novidade na vida brasileira, toda ela modelada por processos de “revolução passiva” que criaram incessantes incentivos para a passagem de personalidades e setores progressistas para o campo da moderação (Cf. GRAMSCI, 2002, p. 286-287). A novidade é que o protagonista da nova onda “transformista” foi precisamente o partido que parecia encarnar a sua mais firme e intransigente crítica. O que era oposição à “revolução passiva” passou a responder por sua gestão e reprodução. O desenvolvimento, em particular, não conseguiu decolar. Continuou a exibir fraco desempenho, muita vulnerabilidade externa, pouca capacidade para recompor e redirecionar as bases estruturais da economia. Apoiou-se na expansão do crédito e do consumo, mas não teve como se livrar das elevadíssimas taxas de juros, dos abusos do sistema bancário e do baixo crescimento da renda, o que fez com que os novos consumidores derivassem rapidamente para a inadimplência. O modelo manteve-se vivo enquanto o governo pôde contar com a figura carismática de Lula, que empregou sua habilidade de negociador para obter sustentação política, desarmar conflitos e estabelecer canais de comunicação com os mais pobres. 36 As ruas e a democracia