As ruas e a democracia. Ensaios sobre o Brasil contemporâneo | Page 37
encontra apoio em múltiplos aspectos: econômicos, socioculturais, políticos, éticos, institucionais, governamentais. O sistema
político em sentido estrito surge nela como a ponta de um iceberg, o protagonista que sintetiza o que há de perverso no todo.
A perversão sistêmica tornou-se mais grave no decorrer dos
últimos 15 anos, justamente quando os grupos dirigentes passaram a ser integrados por quadros e políticos do PT. O fato mesmo de terem sido esses grupos a sacramentar a continuidade do
modelo econômico e das alianças com os setores dominantes –
mediante um arranjo que envolve partidos, sindicatos, associações estudantis, intelectualidade, ONGs e uma miríade de entidades de representação –, bem como a reproduzir as bases do
clientelismo, do patrimonialismo e da corrupção, funcionou
como elemento adicional de frustração e indignação, que só fez
aumentar na medida em que foi ficando claro que persistiam,
muitas vezes de modo ampliado, os privilégios das grandes empresas, a impunidade dos mais ricos, os gastos exorbitantes e
sem critérios claros, o enriquecimento dos dirigentes políticos.
Tudo isso foi como gasolina no fogo e facilitou a disseminação
das chamas da revolta.
As ruas não tiveram outra opção a não ser a de se revoltar
contra tudo e todos.
Auge e esgotamento de um ciclo
O modelo de governança e crescimento seguido a partir de
2003 pelo Brasil foi impulsionado pela força de sua economia,
pelo tamanho de sua população e pelas oportunidades abertas
com a estabilização democrática e a passividade social obtida
com a liderança carismática de Lula. Combinou-se com um
sistema de poder engenhoso, montado durante os dois mandatos de Lula. Na s V&6R