As ruas e a democracia. Ensaios sobre o Brasil contemporâneo | Page 35

Mello, em 1989, construiu sua meteórica ascensão em litígio com a democracia representativa então emergente. Ganhou as eleições sem um partido estruturado, apelando para os “descamisados” e pondo-se “contra tudo” o que expressava o jogo político institucional. Venceu, governou durante dois anos e foi afastado em 1992, acusado de corrupção, por um impeachment exigido por gigantescas manifestações de massa. Naquele momento, o sistema político se abriu para a sociedade e expeliu um corpo estranho. Jamais conseguiu, porém, exibir vigor ou obter adesão social. Agindo preventivamente, as elites políticas fecharam o sistema, fazendo com que ele ficasse mais corporativo e menos refratário às pressões e demandas da sociedade, menos propenso, portanto, a ações reformadoras. Com isso, o sistema ficou mais tóxico e passou a inalar seus próprios venenos, que também contaminaram os cidadãos. A corrupção, as operações de compra-e-venda de apoios políticos, os desvios de verbas públicas, as condutas pessoais incompatíveis com a esperada dignidade dos mandatos políticos cresceram de forma assustadora, desqualificando a democracia e agravando a crise de confiança na política. O sistema se dissociou da sociedade. Parou de dialogar com ela, virando as costas para a “opinião pública” e a sociedade civil. Isolou-se e perdeu capacidade de se autorreformar. Passou a produzir inúmeros problemas e nenhuma solução, acorrentado a um tempo pretérito, ao passo que a sociedade avançava pelas ondas líquidas e digitais da vida hipermoderna. O próprio PT, que cresceu a partir de então, sempre flertou com o sentimento de que seria preciso agir à margem da política institucionalizada. Atacou sem cessar os parlamentares e os partidos constitucionais, em nome de uma singularidade partidária que jamais teve. O partido nunca conseguiu de fato ser “diferente dos demais”. Mais tarde, por volta de 1995, optou por jogar todas as fichas na conquista da Presidência da República e adotou postura crescentemente pragmática, aberta a composiI. Brasil 2013: as vozes das ruas e os limites da política 33