As ruas e a democracia. Ensaios sobre o Brasil contemporâneo | Page 24

lhou fundo no sistema, se reciclou e perdeu o frescor da juventude. Tornou-se parte da crise. Ao optar, em 1995, por transferir todas as energias para a conquista da Presidência da República, o que aconteceu em 2002, o partido foi levado a organizar coalizões à direita e a operar o velho jogo político que antes condenava. ­Distanciou-se da sociedade civil e mergulhou no paradoxo, perdendo vigor e coerência programática. Organizou um sistema de poder sustentado por um pacto informal entre o grande capital (multinacional e financeiro), os trabalhadores “incluídos” e os mais pobres, intermediado pela liderança de Lula, por uma ampla coalizão parlamentar e pela cooptação de muitas lideranças populares. Políticas de combate à miséria combinaram assistencialismo paternalista e direitos de cidadania, numa mescla que produziu efeitos sociais importantes mas que não modificou a estrutura do país e gerou novos problemas. Geraram um país melhor, mas também mais complexo e exigente. Ao longo dos anos, o PT afirmou-se como principal partido progressista do país. Como costuma acontecer com quem acumula poder, convenceu-se de que era a única esquerda do Brasil, aquela permitida pela correlação de forças e que promoveria, por dentro do capitalismo em franca reprodução, algumas transformações sociais importantes. Monopolizou assim o campo reformista e de esquerda, deslocando as demais propostas ou para o “centro” e a letargia ou para a retórica esquerdista. Isso, porém, foi feito com baixa capacidade de ação hegemônica: o partido e suas organizações não se dedicaram a qualificar sua ascensão política e sua própria condição histórica de voz contestadora. Não formularam uma nova ideia de política, de democracia, de economia. Não disseminaram cultura, não promoveram uma nova “direção intelectual e moral” (Gramsci) para a sociedade. Sequer conseguiram se contrapor ao neoliberalismo, que cresceu na sociedade. Em vez de projeto de hegemonia, organizaram um projeto de poder. 22 As ruas e a democracia