As ruas e a democracia. Ensaios sobre o Brasil contemporâneo | Page 23

que encontra apoio em múltiplos aspectos, econômicos, socioculturais, políticos, éticos, institucionais, governamentais. É bem verdade que essa crise não surgiu de repente. Foi germinando e se aprofundando com o correr do tempo. Impulsionada pelos governos – todos eles, sem exceção, em Brasília e nos estados –, que continuaram a exibir falhas graves e desempenho medíocre, tanto em termos de gestão e de políticas públicas, quanto em termos de comunicação e diálogo com a população. A corrupção cresceu ininterruptamente. Os partidos políticos seguiram em frente como associações parasitárias, sem vida e sem ideias. Não contribuíram para transferir maior politicidade à sociedade civil, que cresceu em dimensão e ativismo sem conseguir contornar a fragmentação. Funcionando de modo regular e rotinizado, o sistema foi permitindo que se agigantasse o contraste entre a miséria de boa parte da população e os gastos desnecessários, o desperdício e o uso suntuoso de recursos públicos pela elite política e administrativa (Executivo, Legislativo e Judiciário). Foi-se distanciando da sociedade e a incentivando a se tornar “contra a política”. Para complicar, a perversão sistêmica ganhou uma sobredeterminação. Tornou-se mais grave durante o período em que o vértice do Estado passou a ser integrado por quadros e políticos do Partido dos Trabalhadores-PT. Esse fato dramatiza a situação e precisa ser bem compreendido para não ser empregado para fulanizar a crise, resolvê-la na personalização e na responsabilização individual. O PT marcou a história brasileira em sentido positivo desde que se tornou governo federal. Ajudou a mudar a face social do país. Mostrou que a elite política pode incluir grupos e pessoas provenientes de baixo, do chão social, dos rincões esquecidos, dando assim mais voz aos excluídos. Mas o PT, como ator político, não pode ser analisado somente pela ótica da virtude e da inocência. Ele fez política e ao fazê-la se comprometeu, sujou as mãos, merguIntrodução 21