As ruas e a democracia. Ensaios sobre o Brasil contemporâneo | Page 222
tas. Os poderosos muitas vezes se embriagam com os trunfos de
que passam a dispor: nomear, indicar, pedir e decidir tornam-se
verbos que se confundem em seu léxico e que os fazem, com
frequência, meter os pés pelas mãos.
O poder não é imune ao tempo. Tende a se desgastar com o
andar do relógio. O poderoso se entedia e passa a ser atraído ou
pela inércia ou pela disposição ao risco. O tempo do poder também acompanha o tempo social, precisa decifrá-lo e se ajustar a
ele. Hoje, nesse tempo de redes, conectividade, informações livres
e reflexividade em que vivemos, o poder não consegue mais fazer
o que fazia antes. O sistema político-administrativo copia a estrutura em rede da vida, vendo crescer focos de competição dispostos
horizontalmente. O poder precisa negociar, ouvir e dialogar mais,
lidar com obstáculos e desafios constantes. Está mais exposto, tem
menos aura e opera muitas vezes rés ao chão, enfiando-se em arapucas mequetrefes. Pode cair em descontrole agudo.
Controles rigorosos não combinam com redes e conectividade. Nomear um assessor pode ser o primeiro passo para o inferno: subordinados podem se tornar pequenos reis e rainhas de
pequenos feudos, nichos de onde operam e corrompem. Beneficiados pelo vínculo pessoal com os poderosos, têm como viabilizar esquemas ilícitos nas barbas do poder.
Não se trata de relativizar nem muito menos de diminuir a
responsabilidade dos dirigentes. Ninguém chega a um cargo de
comando sem o devido apoio superior. Mas é preciso dar a cada
um a sua parcela de culpa. Não é plausível analiticamente (embora funcione como agitação) que se estabeleçam a priori linhas
de comando trabalhando em prol da corrupção, como se determinados partidos ou políticos fossem especializados na prática
de crimes. Há mais afã desbragado pelo apro fV