As ruas e a democracia. Ensaios sobre o Brasil contemporâneo | Page 221

aparecerem como meras radicalizações teatrais para blindar chefes e operações espúrias. Os que se dedicam a brandir denúncias e acusações contra os adversários para com isso extrair vantagens eleitorais prestam um desserviço à democracia. Antes de tudo, porque rebaixam a política a níveis extremos de mediocridade e autismo, em nome de um conflito eleitoral que nada tem de dignidade substantiva. O pessoal que gosta de sangue e acha que política é embate a-que-preço-for aplaude, pois pensa que o procedimento ajuda a que se estabeleçam as devidas distinções. Ao final de guerras desse tipo, chega-se ao mesmo lugar conhecido de sempre: todos serão vistos como igualmente venais, mas jurarão inocência. Hoje, especialmente em política, não adianta alguém dizer que é honesto (ou parecer sê-lo), é preciso ser de fato. Como a mulher de Cesar. Para quem não lembra da história, consta que em 60 a.C o poderoso Júlio Cesar absolveu sua mulher Pompeia da acusação de adultério dizendo que não levava em conta o que se dizia dela, mas sim o que ela era. Pompeia foi para o ostracismo, e ninguém até hoje sabe o que aconteceu naquele longínquo ano. Desde então, ficou a expressão “À mulher de Cesar não basta ser honesta, é preciso que pareça ser honesta”. Os que rebaixam a democracia para saber quem é o mais íntegro, ou o mais corrupto, deveriam se dar as mãos e selar um pacto para acabar com a farra, punindo quem tem de ser punido. Poder e aparelhamento O poder é, em si mesmo, possibilidade e armadilha. Concede aos que dele se aproximam múltiplas vantagens, mas também abre as portas para a tentação, os falsos amigos, as negocia- VI. A corrupção que não sai de cena 219