As ruas e a democracia. Ensaios sobre o Brasil contemporâneo | Page 213
Protegidos, afilhados e “aspones” pertencem à pré-história
da corrupção brasileira. Correspondem a uma sociedade que já
não existe mais, ainda que estejam vivos alguns de seus traços e
subprodutos. Hoje, são práticas quase ingênuas quando comparadas com a complexidade e o vulto do sistema ilegal que sufoca os procedimentos sustentados pela lei. Foram engolidas
pelos cargos de confiança, que não são necessariamente uma
ferramenta de corrupção. Ainda são feitas indicações políticas e
continuam a existir funções artificiais, evidentemente, mas o
problema maior não está aí. A corrupção atual é uma empresa
que se vale de mil esquemas e de poderosas redes de influência,
além de movimentar somas que fazem inveja a muitas multinacionais. Não se trata de um efeito da maior circulação de informações, que ajuda a que o fenômeno fique mais visível mas não
explica ou justifica suas proporções.
O problema é real e complicado. Não pode ser abordado
com eficiência se o critério for moralista e não deve ser minimizado como se se tratasse simplesmente de mais uma manobra
dos oposicionistas de plantão. Afinal, ninguém pode hoje, em
política, dizer que dessa água não beberá. Os “malfeitos” estão
em todos os partidos e cobrem o espectro político da esquerda à
direita, sustentados por justificativas semelhantes, invariavelmente voltadas para necessidades ou de governança e governabilidade, ou de financiamento de campanhas eleitorais. Culpam-se as regras em que se vive para se proclamar a inocência
de práticas e condutas que trafegam na ilegalidade.
Mal recorrente
Não se pode dizer que o Estado brasileiro esteja desprotegido de mecanismos de defesa. Há muitos e atualizados sistemas
de controle internos e externos à administração pública, e eles
vêm sendo aperfeiçoados ao longo do tempo. Licitações são feitas a partir de caprichadas e inflexíveis normas que buscam
VI. A corrupção que não sai de cena
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