As ruas e a democracia. Ensaios sobre o Brasil contemporâneo | Page 212
Por sorte, aquilo que a impulsiona também ajuda a freá-la:
os mesmos fluxos virtuais funcionam como vitrines de atos escabrosos, roubando legitimidade deles. A democratização da
vida social faz com que o poder se torne mais visível e menos
onipotente. Há, ainda, os atos políticos propriamente ditos,
que não são todos desvirtuados e corruptos mas, ao contrário,
promovem muitos ataques eficientes contra os que querem fazer do poder político uma plataforma de lançamento de “malfeitos” sucessivos.
Apesar de tudo, a corrupção brasileira não é tão bem conhecida como se pensa e como deveria ser. Há poucos estudos a
respeito, e na bibliografia existente destacam-se as reportagens
do chamado jornalismo investigativo, quase sempre concentradas no esclarecimento de episódios que ganharam grande exposição política. Nos últimos anos, a pesquisa acadêmica tem se
dedicado com mais afinco ao tema (AVRITZER; BIGNOTTO;
GUIMARÃES; STARLING, 2008; BIASON, 2009). Sabe-se
mais a respeito, mas a opinião pública ainda tateia quanto enfrenta a questão. Quase sempre, sua leitura é moralista, seguindo de perto a postura que demarca as relações de muitos brasileiros com a política e a gestão pública.
Não é de hoje que há no país uma vertente disposta a menosprezar e combater políticos, administradores e governantes
– que, em seu entender, comporiam uma “classe” de pessoas
desde logo prontas para tirar vantagens, roubar ou manipular as
coisas públicas. Como tudo na vida, exemplos e provas não faltam para alimentar essa vertente. Ao menos desde o final do
século XIX perambulam pelo imaginário nacional figuras de
assessores que não assessoram e de protegidos que se mantêm
em cargos graças à força, ao prestígio, ao canudo ou ao pistolão
de seus protetores. A “teoria do medalhão” celebrizada por Machado de Assis, por exemplo, elevou à condição estética uma
fabulação que impregnava a cabeça dos brasileiros da época e
que continuou a se reproduzir até os dias atuais.
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