As ruas e a democracia. Ensaios sobre o Brasil contemporâneo | Page 209
Defeito ético
O corrupto não se identifica somente com aquele que se vale
de artifícios e facilidades para abocanhar uma grana adicional,
ou favorecer negócios específicos, pelos quais cobra uma comissão. Tem a ver com muito mais coisas, e desse ponto de vista é
que se pode dizer que a corrupção é sistêmica e está entranhada, como um componente oculto, não reconhecido, no imaginário e na cultura política da sociedade.
A corrupção é um defeito ético, e tem múltiplas faces. Anda
junto com o poder (político, econômico ou ideológico), como
um efeito colateral: onde há poder e poderosos há sempre a probabilidade de abuso, e no abuso está a raiz da corrupção. A humanidade de todas as épocas e de todas as culturas tem quebrado a cabeça para encontrar os meios mais adequados e eficientes
para controlar o poder e neutralizar seus efeitos colaterais. Todo
grande pensador político escreveu boas páginas a respeito. Algumas sociedades têm sido mais competentes do que outras nisso, mas nenhuma delas pode se proclamar imune ou imunizada. A questão é de grau, de escala e, evidentemente, de impacto
sobre o conjunto da coletividade.
Lavagem de dinheiro (dinheiro sujo que é investido em um
negócio legal, ou para remunerar um serviço honesto), cibercrimes, sonegações de múltipla espécie, fraudes, obtenção de vantagens financeiras em negócios com órgão públicos, subornos, evasão de divisas e impostos, extorsão cometida por servidores
públicos, manipulação de licitações, apropriação indébita de fundos públicos (ONGs fantasmas, por exemplo), compra de votos,
operações clandestinas de financiamento de campanhas eleitorais
e tráfico de influência são as práticas mais conhecidas. Chamam
maior atenção, sobretudo porque costumam vir a público sob a
forma de denúncias e escândalos. Pesquisadores, jornalistas, organismos de financiamento e de monitoramento vivem em busca
de um índice que possa auxiliar a que se dimensione ou se meça
VI. A corrupção que não sai de cena
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