As ruas e a democracia. Ensaios sobre o Brasil contemporâneo | Page 208
mente. Não reconhecer isso é partir de uma posição exclusivamente ideológica. Nada mais infenso e gratuito do que a acusação de corrupção que partidos de oposição dirigem ao
governo, nada mais inconsequente do que o governo que acusa
as oposições de desejarem inflamar a opinião pública mediante
a descoberta e a publicização de irregularidades e atos de corrupção. (2) Não há prevalência de atos corruptos num dado
ponto da estrutura federativa nacional. O covil, o centro dirigente, não está em Brasília nem nessa ou naquela capital do
país: ele simplesmente não existe. O fenômeno está disseminado, podendo se manifestar com força maior onde menos se espera. (3) Se quisermos enfrentar a sério o problema, é preciso
dilatar o conceito, para nele incluir, além dos crimes financeiros, uma série sem-fim de procedimentos e atos que produzem
menos frisson, mas são igualmente graves. Ou não haveria corrupção, por exemplo, na atitude de um parlamentar que se ausenta do plenário e permite que seus assessores registrem sua
presença e votem em seu nome, com ou sem seu consentimento? Não seria corrupto um servidor público que exige, do usuário dos serviços, um elenco enorme de documentos e exigência só para postergar o atendimento, ou justificar uma falha do
sistema? Um policial que achaca e humilha um suspeito só
pelo prazer de vê-lo acatar a autoridade é tão corrupto quanto
o cidadão “bem intencionado” que sonega o imposto de renda
porque pensa que o governo usa mal o dinheiro qu