As ruas e a democracia. Ensaios sobre o Brasil contemporâneo | Page 193

emissores e receptores, e as atualizações se dão não mais uma vez ao dia, mas a cada fração de segundo, é uma questão meramente probabilística até que uma de milhares de versões se propague como vírus e vire verdade” (TOLEDO, 2013). O próprio processo de formação de opiniões fica “desregulado”. A opinião das pessoas flutua, torna-se instável, com repercussões em todos os planos da vida. As sociedades impulsionadas pela hipermodernidade periférica se diferenciaram, ficaram mais dinâmicas e mais democráticas, ganharam maior complexidade. Apresentam faixas enormes de miséria, de violência, de corporativismo, estão carentes de projetos que as unifiquem e lhes indiquem um futuro. Mas estão vivas, emitindo sons e sinais que não estão sendo traduzidos adequadamente pela política. O principal efeito dessa situação de descompasso entre vida social e vida política é que se tornou mais difícil construir projetos políticos abertos para a transformação social efetiva. Mesmo governos considerados progressistas na América Latina, por exemplo, agem de modo tópico: administram o sistema, alteram alguns de seus eixos (com o que conseguem produzir algumas mudanças importantes), mas não preparam o terreno para transformar as sociedades e suas estruturas econômicas. Sequer promovem modificações no sistema político, optando por se moldar a ele. Em vez de projetos de sociedade, trabalham por projetos de poder e ocupação de espaços. Acabam, com isso, por manter em cena os mesmos arranjos políticos de antes, com o agravante de que, ao administrarem os sistemas, terminam por se deixar modelar por ele: não criam uma “classe política” de outra qualidade, nem procedimentos governamentais distintos, nem instituições de diversa envergadura e mais abertas à participação democrática. Essa situação afeta e condiciona os veículos de comunicação. Eles se deixam instigar por ela e a amplificam sem muito V. Mídia, democracia e hipermodernidade 191