As ruas e a democracia. Ensaios sobre o Brasil contemporâneo | Page 191

A mídia entra em cena nesse ambiente. Passa a interagir com uma sociedade que não se afirma plenamente como comunidade política e que, portanto, não deixa claro o que pode ou não pode ser feito. Projeta-se impulsionada pelo “desguarnecimento” dos indivíduos, que não encontram mais, em seus grupos, orientações de sentido e parecem necessitar de uma espécie de “moral espetacular” para se sentirem motivados a agir (LIPOVETSKI; CHARLES, 2004). A mídia (e, aqui, sobretudo o rádio e a televisão) ocupa o vazio político e ético derivado da hipermodernização. As próprias ações individuais e coletivas também se deixam contaminar pela lógica midiática, passando não somente a ser “formatadas” e “orientadas” pela mídia, como a requerer espaço e voz no espaço público midiático. Não é por outro motivo que a mídia pauta tanto a agenda política e a conduta governamental, quanto a agenda da sociedade. Por esse caminho oferece, aos grupos e indivíduos, um modo adicional de ativação e de “identificação”. Sua influência torna-se, assim, enorme. E seu estatuto ético é posto à prova. A mídia também se adapta ao contexto de tecnologia, sons e imagens espetaculares. Amplia sua dimensão técnica, sua preferência pela forma, sua superficialidade. Torna-se sempre mais sedutora e voraz, como se desejasse atrair todas as atenções e monitorar todas as condutas, compor todas as pautas e decidir todas as agendas. Sua meta é submeter a si o “homo sapiens” e convertê-lo em “homo videns” (SARTORI, 2001). Mas sua ambivalência também cresce: muitas vezes sem querer, informa e politiza, ajuda a impulsionar posturas críticas e a “destradicionalizar”; em outros momentos, pode referendar unilateralmente o status quo e questionar a contestação. Relativiza, enfraquece vínculos coletivos, hipostasia as imagens, rebaixa e submete o debate público a suas regras técnicas, mas, ao mesmo tempo, mantém ativo o antagonismo dos discursos, ajudando assim a que se dissolvam consensos fáceis e opiniões cristalizadas. Mas a mídia não dobra a sociedade inteira, não tem como fazer com que indivíduos tendencialmente “soltos” se comportem V. Mídia, democracia e hipermodernidade 189