As ruas e a democracia. Ensaios sobre o Brasil contemporâneo | Page 190

e de monitoramento, seja por meio da pesquisa de mercado mais tradicional, seja mediante a atuação dos institutos de pesquisa de opinião. Os processos de formação de opinião não parecem evoluir em ambiente de tranquilidade no mundo contemporâneo. Os cidadãos não se deixam mais guiar, teleguiar ou induzir com facilidade. Estão acossados por dinâmicas contraditórias que se interpenetram e se influenciam reciprocamente. Por um lado, os indivíduos escolhem mais e com maior liberdade, consultando um cardápio variado de opiniões e informações, que se renovam quase que instantaneamente, minuto a minuto. Há mais “flutuação”, mas também mais “responsabilidade individual”, as pessoas são simultaneamente individualistas e individualizadas, do mesmo modo que há mais participação (e mais vontade participativa) mas menos política. Está em curso um complicado processo de “refutação política da política” (BECK, 2000, p. 42-43): os indivíduos de hoje não se mostram tolerantes com a política feita pelos políticos (focada na conquista do poder) mas não se recusam a agir politicamente, como cidadãos, para enfrentar e quem sabe resolver os problemas que os incomodam. Por outro lado, a sociedade também se vê cortada pela barbárie cívica, condicionada e impulsionada pela miséria efetiva, pelo desemprego, pela desorganização das instituições e dos grupos de referência, pelas formas abertas ou dissimuladas de violência, pela predominância do narcisismo e de uma cultura imediatista e consumista, e assim por diante. Nessas condições, a própria sociedade se desconstrói e deixa de agir como corpo coletivo ou mesmo como comunidade política. Governantes, políticos, técnicos e intelectuais falam em seu nome, mas não têm como representá-la efetivamente: passam assim a girar em falso e não conseguem produzir normas vinculatórias ou de regulamentação que estabeleçam regras e limites para todos os atores sociais. 188 As ruas e a democracia