As ruas e a democracia. Ensaios sobre o Brasil contemporâneo | Page 18
até mesmo o prosaico.1 Homem inteligente, sua opção pelo
prosaísmo decorreu do deliberado empenho de reduzir o pathos em que vivíamos. O próprio capitalismo, normalmente,
é prosaico. O heroísmo, nele, é excepcional. Então, 1994 não
foi um ano de proclamações, alegrias, êxtases; foi um ano de
acalmia; baixou-se a bola, como se diz no futebol. O resultado disso foi inestimável para nossa cultura política. Quando
alguém disse que a maior obra de FHC foi a eleição de Lula,
por trás da ironia havia o reconhecimento da grandeza do
presidente que, eleito só dois anos depois do impeachment de
Collor, soube assegurar a calma transição do poder para nosso
primeiro presidente de esquerda – o qual, aliás, governou sem
procelas maiores.
Já a posse de Lula voltou a evocar emoções, mesmo ele tendo
se mostrado comedido nas iniciativas, amigo de um capital que
vários de seus admiradores odiavam, em suma, um político hábil que fez as concessões necessárias para implantar quanto
pôde de seu programa, querendo os dedos ainda que não pudesse ter os anéis. Estas emoções, porém, mesmo nos piores momentos, como quando seu mandato parecia em risco, nunca
passaram dos limites constitucionais. O Brasil tem sido, numa
América Latina em que pela primeira vez proliferam governantes de esquerda ou centro-esquerda, marcado pela moderação.
Foi um dos poucos países em que não houve ruptura da ordem
constitucional. E os resultados de seu mandato, como a passagem de metade dos cem milhões de pessoas nas classes D e E
para a classe C, foram excepcionais.
Diante disso, o que é este quarto milésimo, o de 2013? Há
um célebre comentário que ressurge segundo os tempos, que
é: naquela ocasião, dava felicidade estar vivo. Em 2013 muitos
puderam sentir a vida em toda a sua plenitude. Até brinquei,
1 Usei estas imagens em A sociedade contra o social, 2000; neste prefácio, também utilizo ideias que
apresentei nos artigos “Como o PT perdeu a hegemonia” e “De ética, economia e política” (Valor
econômico, 29/07 e 05/08/2013).
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