As ruas e a democracia. Ensaios sobre o Brasil contemporâneo | Page 172

valorizada ou de estar produzindo inconvenientes em demasia. Se a iniciativa tem no centro o sistema de justiça é porque o que existe é ruim, funciona mal ou não cumpre o que promete à sociedade. Se o compromisso é tornar mais acessível, ágil e efetivo o sistema, é porque se supõe que ele não está ao alcance dos cidadãos, é lerdo e produz poucos resultados. Se algo assim se passa, temos de fato uma crise complicada, que mexe com os fundamentos éticos e a base institucional do Estado brasileiro e está a ameaçar o coração do sistema republicano, que pulsa, como se sabe, ao ritmo dos direitos humanos fundamentais, da lei e da justiça igual para todos. A lista dos pontos estabelecidos como prioritários pelos signatários do pacto era grave. Incluía, por exemplo, a preocupação com a legislação penal e conferia grande atenção à investigação criminal, aos recursos, à prisão processual, à liberdade provisória e aos critérios para a interceptação telefônica e o uso da informática em investigações. Tudo para evitar excessos e proteger a dignidade da pessoa humana. Previam-se alterações no Código Penal para dispor sobre os crimes praticados por grupos de extermínio ou milícias privadas, assim como na legislação sobre crime organizado e lavagem de dinheiro. Havia preocupação também com a questão do abuso de autoridade e com a responsabilização dos agentes e servidores públicos em eventuais violações aos direitos fundamentais. Pensava-se em aperfeiçoar o Programa de Proteção à Vítima e Testemunha, do Ministério da Justiça, e a legislação trabalhista, com o objetivo de ampliar as tutelas de proteção das relações de trabalho. Ao que consta, pouco se avançou nesse terreno. A situação continua calamitosa, ainda que possa ter melhorado aqui ou ali. Permanece viva a tese anunciada certa vez pelo então presidente do STF, Gilmar Mendes, de que haveria no Brasil um “Estado policialesco”, que ele associou aos excessos que teriam sido cometidos pela Polícia Federal em operações de investigação en- 170 As ruas e a democracia