As ruas e a democracia. Ensaios sobre o Brasil contemporâneo | Page 168

reflete um processo impulsionado pelo esforço compulsivo de políticos e partidos para maximizar interesses de curto prazo. A popularização banalizada da Presidência combina-se com o não aparecimento de lideranças de novo tipo e de uma oposição democrática suficientemente lúcida, unida e corajosa para abrir mão de ganhos imediatos e se apresentar como opção para a sociedade. Nenhum realismo pode se chocar demais com as tradições que dão caráter aos partidos e aos políticos, sob pena de destroçá-las. Nossa época não é muito favorável a identidades doutrinárias, lealdades ou fidelidades. Os partidos e os políticos que se querem coerentes, porém, precisam lutar contra isso. No mínimo para manter atados os fios que os ligam à própria história e, com isso, dar mais vigor ético à política. Nenhum realismo, além do mais, pode ir contra as expectativas da opinião pública democrática, o bom-senso ou a voz das ruas. Não deve obedecer servilmente a essas coisas, claro, mas não tem como ignorá-las, sob pena de deixar de ser realismo. É uma questão de sintonia. Houve uma época em que os gestos políticos orientavam a opinião pública e os cidadãos. Adversários eram adversários. Podiam conviver educadamente, mas se posicionavam como entidades distintas, donos de posições singulares, que não permitiam movimentos de convergência a não ser quando estivessem em jogo o futuro da pátria ou os interesses nacionais. Acordos e alianças se faziam, mas ideias e princípios não eram negociados. Tudo isso parece hoje pertencer a um passado distante, que não volta mais. O mundo mudou, a política virou de ponta cabeça, deixou-se invadir de tal forma pelos negócios e pelo pragmatismo que terminou por perder sua força magnética, sua capacidade de organizar esperanças e utopias. Houve avanços nesse processo. Algumas ilusões tiveram de ser abandonadas e os protagonistas da política foram convidados a ultrapassar a barreira da pureza, da “ética da convicção” 166 As ruas e a democracia