As ruas e a democracia. Ensaios sobre o Brasil contemporâneo | Page 158
Estado. O sistema político se soltou da sociedade: despolitizou-se, e está incentivando a que os cidadãos menosprezem a representação e fiquem sem vontade de participar do governo da sociedade. A classe política, por sua vez, não se mostra competente
para direcionar e organizar o país. Faltam-lhe qualidade técnica e
intelectual, lealdade ao povo e uma ideia de país.
O mal-estar passou a pulsar na política cotidiana. Qualquer
deslocamento de peças no tabuleiro faz com que a temperatura
suba, as alianças tremam e os entendimentos se diluam. Os fluxos do poder mostram-se frágeis, as articulações e os esforços de
coordenação fracassam.
Não se trata de crise aguda ou que afete o sistema nervoso
central do Estado. O mal-estar está sem data para desaparecer,
pois não há, no horizonte de curto e médio prazo, nada que se
possa fazer para gerar distensão. Tem perfil sistemático, associando-se intimamente ao modo como vem sendo organizadas
as atividades governamentais e a política no país. É puramente
político porque não necessita da interferência de nenhum outro
fator para se manifestar. Reproduz-se mesmo sem desarranjo
econômico, ameaça inflacionária ou aumento do desemprego,
com o governo governando e sem movimentos sociais na ofensiva. A revolta de junho de 2013 mudou a situação, exigiu esforço
adicional do governo, mas não dividiu a sociedade e nem permaneceu em efervescência crescente.
Vivemos um tempo de democracia, em que não há autoritarismo e nem violência política, em que direitos prevalecem e
rotinas legais são cumpridas. Tudo isso parece sólido, mas funciona sem gerar muita satisfação e sem empolgar. O quadro é de
caos estabilizado, sofrimento sem dor.
A política vai mal quando não tem serventia para os cidadãos, não se comunica mais com a sociedade e vira assunto de
políticos par