As ruas e a democracia. Ensaios sobre o Brasil contemporâneo | Page 155
çados pelas pessoas. Grupos e indivíduos querem participar,
mas só conseguem fazê-lo “fora” do Estado. Aderem a fóruns,
seminários, assembleias, instâncias participativas, movimentos, bem mais receptivos à dinâmica social vigente. Essas novas formas de politicidade ajudam a ofuscar e pôr em dúvida
as antigas.
O modo de vida atual é participativo. Antes de tudo porque
cada um tem de lutar praticamente sozinho para organizar a
cabeça, os códigos de conduta e a própria biografia. Não dispomos de suportes sociais consistentes, sejam eles provenientes da
família, do Estado ou das igrejas. Estamos no mercado, ou seja,
naquele ringue em que se briga palmo a palmo por espaço. Fora
daí, há evidentemente vida e coletividade, mas isso pesa pouco
no cômputo geral. Para modelar e modular suas trajetórias, os
indivíduos precisam ficar atentos e se mexer. A participação tornou-se um valor, mais prestigiado, por exemplo, do que a igualdade. Participar é bom, correto, meritório.
Impulsiona-se assim a contestação do sistema representativo. Queremos que nossos representantes sejam iguais a nós,
limpos, transparentes, produtivos. E ao percebermos que os atos
e atitudes dos políticos não são assim, fuzilamos os representantes em bloco, viramos-lhes as costas e passamos a pedir reformas
que estanquem a corrupção e intimidem os políticos.
Uma expectativa de reforma que se volte para moralizar a
política está fadada à frustração, porque elege um alvo equivocado e parte do pressuposto, igualmente equivocado, de que a
representação deve imitar a vida cotidiana. Produzirá mais estragos que consertos, porque ajudará a diminuir o valor da política e a mantê-la permanentemente às portas dos tribunais.
Deve-se sem dúvida dar uma perspectiva moral à vida pública, impedi-la de fugir do controle. Mas não se conseguirá isso
com mordaças judiciais ou reformas políticas, por mais que essas últimas sejam importantes. Resultados efetivos somente viIV. Crise e reforma política
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