As ruas e a democracia. Ensaios sobre o Brasil contemporâneo | Page 154

por sua conquista, ampliar e democratizar o acesso a ele e orientá-lo para um exercício socialmente justo e responsável. Enquanto isso, em crescentes segmentos da opinião pública, permanece a expectativa de que se faça algo para resgatar a política, torná-la mais eficiente, punir os corruptos, aumentar a dose de democracia e de participação no sistema representativo. É constrangedor que os candidatos não falem de política no momento mais nobre da política, quando se acredita que muitas coisas possam ser modificadas. É constrangedor, mas dá para entender. O silêncio dos políticos em relação à política traduz uma crise da política, não somente do sistema político. Expressa uma falta de clareza sobre o que fazer para melhorar a política. Indica que não se sabe bem o que deve ser mudado, nem como ou quando mudar. O silêncio reflete também o receio dos políticos de que perderão votos se trouxerem a política para o centro do palco. Acreditam que, se o fizerem, irão contra a expectativa das pessoas, que prefeririam políticos que não fazem política, tocadores de obras e distribuidores de benefícios palpáveis. Os candidatos, nesse quesito, copiam um padrão de governança que tem prevalecido nos últimos tempos, na Presidência da República, nos governos estaduais e nas prefeituras municipais: o do governo “positivo”, de realizações, conversas e factóides em cascata, que se apresenta como dedicado a proteger e amparar o povo, um estilo tão voltado para animar o imaginário popular e montar um “grande e único Brasil” que terminou por afastar a política dele. O fato é que a política se converteu em assunto incômodo. Mas não é verdade que ninguém ligue mais para ela ou que todos estejam desinteressados do Estado e das decisões públicas. O que ocorre é que os ambientes políticos típicos – casas legislativas, partidos, órgãos governamentais – não são alcan152 As ruas e a democracia