As ruas e a democracia. Ensaios sobre o Brasil contemporâneo | Page 147

Em primeiro lugar, o modelo brasileiro atual está em sintonia com uma nova fase do próprio capitalismo, na qual a soberania estatal está restringida e somente tem como se afirmar de modo compartilhado. A dependência se tornou de certo modo estrutural. Em segundo lugar, o modelo atual está sobredeterminado pelas políticas de transferência de renda que, no caso particular do Brasil, têm sido o principal mecanismo de combate às desigualdades sociais, com o qual os governos brasileiros da última década (o de Dilma incluído) têm alterado a fisionomia da distribuição de renda e impulsionado o ingresso de grandes contingentes populacionais no mercado interno. Em terceiro lugar, e por decorrência das duas características acima mencionadas, o modelo tem se traduzido numa espécie de sistema generalizado de cooptação da sociedade pelo Estado. Seja como resultado das próprias políticas adotadas, seja pelas singularidades do sistema político (pouco permeável a pressões sociais), seja enfim pela reorganização “digital” da própria sociedade, o fato é que o Brasil das últimas décadas se converteu numa sociedade com pouca participação social autônoma e com uma democracia política muita aprisionada aos ritos eleitorais. Há uma inegável democratização da vida social e a conflitualidade se repõe a todo momento, mas isso transcorre num ambiente marcado por uma espécie de atração de todos para o Estado, que se repõe e se fortalece assim como grande articulador social. Como os protestos de junho de 2013 evidenciaram, a participação política da sociedade esteve adormecida, mas de modo algum foi desativada. É de se esperar que, a partir daquelas primeiras operações de “volta às ruas”, o ativismo social passe a ocupar posição de maior destaque no processo político. Para o governo Dilma, acostumado que estava ao ritmo morno e paternal legado por Lula, a reativação social é mais um problema que uma solução. Irá desafiá-lo, forçá-lo a rever agenIII. Voo panorâmico sobre o governo Dilma 145