As ruas e a democracia. Ensaios sobre o Brasil contemporâneo | Page 136

persistência de sua atuação como “coordenador político” informal do governo deixou no ar muitas suspeitas e muitas possibilidades de atrito e tensão. O presidencialismo de coalizão – especialmente naquilo que é seu principal componente, a má qualidade das coalizões com que se governa – ajudou bastante a que se complicasse o funcionamento do Poder Executivo como poder administrativo. Como em todos os governos anteriores, a administração pública foi inevitavelmente afetada por ele, seja quanto às suas dimensões (crescimento por indução político-partidária e não por motivos técnicos), seja quanto à racionalidade gerencial. Por mais que importantes avanços tenham sido registrados no aparelho de Estado ao longo das duas últimas décadas, ainda há nele lacunas graves, que complicam o desempenho da gestão pública e elevam seus custos. O sistema também não é favorável à adoção, pelos governos, de agendas reformadoras claras e vigorosas. Pouco se fez, no Brasil das últimas décadas, em termos de reformas de tipo estrutural – na previdência social, na saúde e na educação, no setor tributário, no sistema político e no aparelho de Estado. Sequer durante o período Lula, que se beneficiou de altas taxas de popularidade e de muitas condições favoráveis, foram dados passos significativos nesta direção. No plano estrutural, o Brasil de Dilma ainda é o mesmo de FHC, embora as circunstâncias tenham se alterado. O Poder Judiciário completa o quadro. Seu funcionamento deixa a desejar em inúmeros aspectos, mas o que mais chama atenção é sua lentidão. A sociedade direciona à Justiça pleitos sucessivos, que chegam à casa de muitos milhões de ações e processos. Sua relação com a Justiça é de dependência. Reitera-se assim uma tendência que parece comum a diversos países, nos quais a maior presença dos tribunais na vida social reflete as dificuldades de reprodução do Estado de Bem-Estar e de suas políticas. A fragmentação da vida social, a desregulamentação de direitos, o esva- 134 As ruas e a democracia